O argumento do governo para tentar legitimar o sigilo sobre os
orçamentos das obras da Copa do Mundo e da Olimpíada é muito parecido
com a justificativa apresentada pelo então ministro Antonio Palocci
para conferir legitimidade à recusa de abrir as informações sobre as
atividades de sua empresa de consultoria.
Ambos alegaram que todos os dados estariam "à disposição dos órgãos de
controle". Nem Palocci nem Dilma convenceram com seus peculiares
raciocínios a respeito, primeiro, do que seja o preceito da
publicidade exigida na administração pública e, segundo, da capacidade
do público de acreditar em sofismas.
Dar publicidade aos números após a conclusão das licitações e ainda
assim apenas aos "órgãos de controle" com restrição para divulgação,
está longe de ser uma conduta de quem preza a transparência como quis
fazer crer a presidente na sexta-feira ao tentar transformar em
"mal-entendido" o que foi muito bem compreendido.
Dificilmente a medida provisória que institui aquela e outras
barbaridades conseguirá passar pelo Senado da forma como passou pela
Câmara, com autorização para empreiteiras aumentarem de forma
ilimitada os custos das obras e extensão das facilidades decorrentes
do Regime Diferenciado de Contratações para cidades onde não haverá
jogos da Copa em 2014 nem competições da Olimpíada de 2016.
As reações contrárias servirão para pelo menos minorar os óbvios
efeitos perniciosos da MP.
Evitá-los é impossível, já que o governo, embora tivesse tido tempo
suficiente para ter dado início ao processo pelas vias normais,
preferiu deixar tudo para a última hora.
Custa crer que o tenha feito de propósito, justamente para, na
pressão, afrouxar os controles e, quando menos se esperava, ainda
procurar o abrigo no sigilo a fim de evitar o cotejo entre os
orçamentos iniciais e os custos finais.
Pagamos agora a conta da inépcia. Mais à frente, quando a malandragem
produzir suas consequências, pagaremos a conta da má-fé na forma do
escândalo certo desde já contratado pelo sigilo de hoje que resultará
na CPI de amanhã.
Intenção e gesto. A boa educação é sempre bem-vinda, embora nem sempre
seja praticada. Daí as saudações à manifestação benfazeja da
presidente Dilma Rousseff ao "acadêmico inovador, o político
habilidoso, o ministro arquiteto de um plano duradouro de saída da
hiperinflação", Fernando Henrique Cardoso. Mais que votos de feliz
aniversário, Dilma, segundo auxiliares, pretendeu oferecer-se à
distensão.
A civilidade e a reverência à realidade também são sempre bem-vindos,
embora nem sempre sejam praticados.
Notadamente quando a necessidade impõe comportamentos distintos,
conforme se constata no exame de declarações feitas durante a campanha
eleitoral e já depois, com Dilma na Presidência. Eis algumas.
"Tínhamos diante de nós (na transição entre governos Lula e FH) um
País que era o reino das desigualdades" (abril de 2010).
"Não havia (no governo FH) planejamento estratégico, não havia
crescimento de investimento público, não havia parceria com a
iniciativa privada" (março de 2010).
"Os tucanos venderam R$ 100 bilhões do patrimônio público e elevaram a
dívida pública para R$ 600 bilhões. Que grande gestão financeira eles
fizeram?" (agosto de 2010).
"Eu tenho sido acusada de querer ganhar a eleição antes da hora, de
sentar na cadeira antes da hora. Quem sentou na cadeira antes foi o
ex-presidente da República. Por dois motivos não faço isso: porque
respeito o voto popular e porque acho que dá azar e ficou visível que
deu azar" (agosto de 2010).
"É fácil (governar o Brasil) quando a gente compara a situação de hoje
com o País que encontramos em 2003: uma inflação absolutamente fora do
controle, sem reservas, dependente do Fundo Monetário." Esta última em
entrevista ao escritor português Miguel Sousa Tavares em 28 de março
de 2011, menos de três meses antes da carta enviada ao "querido
presidente, que contribuiu decisivamente para a consolidação da
estabilidade econômica".