O GLOBO - 23/06/11
Foi por pouco, apenas quatro votos além do necessário, que a Grécia não amanheceu ontem sem governo. Mas há novas batalhas. A Grécia assusta o mundo por causa de uma sigla - o CDS - que pode ser o elo de contágio para que uma crise num pequeno país vire um abalo sistêmico.
De novo, os bancos é que terão de ser resgatados. O povo? O povo está na Ágora, reunido. Desde a Antiguidade a Grécia não foi tão central como tem sido nos últimos dias. Editoriais nos principais jornais do mundo se perguntam por que devemos todos nos preocupar com eles.
Pelo mesmo motivo que um dia tivemos que nos inquietar com os devedores anônimos do "subprime". Com qualquer dívida o mundo faz derivativos e esses derivativos se espalham pelos países, bancos, economias.
Um calote grego tem potencial para trazer de volta o congelamento de crédito que se viu em 2008. O país foi socorrido há um ano com 110 bilhões e calcula-se que mais 120 bilhões sejam necessários. Isso significa dar uma Grécia à Grécia, ou seja, um empréstimo de 100% do PIB.
A votação de terça-feira foi olhada com atenção porque sem governo tudo iria piorar. Agora que Papandreu continua no cargo, terá de aprovar um pacote de ajuste, exigência do FMI para liberar em julho a última parcela de 12 bi do primeiro resgate. Com o dinheiro, adia-se o calote e os bancos terão mais tempo para pensar onde jogar a batata quente que têm nas mãos.
Independentemente do valor que deixar de ser pago, um calote terá dois efeitos imediatos: o primeiro é que todos os bancos que compraram títulos do país serão obrigados a rever para baixo o valor e a qualidade dos seus ativos. Isso produzirá rombos em bancos ainda combalidos.
Mas o pior é o segundo risco: a crise pode se espalhar via mercado de CDS (Credit Default Swap), um contrato de seguro contra o risco de calote dos governos. O banco que carrega título grego, mas que está protegido via CDS, poderá cobrar a indenização pelo sinistro porque o "gatilho, ou calote, foi acionado.
Não se sabe a dimensão do estrago que pode ocorrer se os CDS forem cobrados. Mas já há uma lista de bancos americanos como possíveis vendedores desses seguros. Para piorar, esses contratos de CDS são fechados de banco para banco em negociações "de balcão", que não são divulgadas publicamente. O risco grego é dos gregos, europeus, americanos, enfim, de todos os troianos. Os bancos começam a desconfiar uns dos outros com dúvidas sobre quem carrega, no fim das contas, o cavalo de batalha cheio de perigo dentro. Contratos de balcão são semelhantes aos que trouxeram problemas para empresas brasileiras Aracruz e Sadia, em 2008, que fizeram operações no mercado de câmbio que nem os seus acionistas sabiam.
Quando o dólar subiu de uma hora para outra, as empresas se viram quebradas de repente. Segundo o site CNN Money , o contágio via CDS seria direto sobre a economia americana. É o temor também do New York Times e exposto em editoriais de blogs e jornais. Estima-se que os bancos do país possuem exposição de 41 bilhões em relação ao problema grego.
Em 2008, logo após a quebra do banco Lehman Brothers, a seguradora AIG anunciou que estava falida porque precisava cobrir as indenizações. Exatamente pela via do seguro é que a quebra de um banco de investimento acabou abatendo a gigante norte-americana.
A Grécia causa também embates políticos dentro da Europa, porque a Alemanha quer que os bancos paguem parte da conta. A França, não. O Banco Central Europeu, que para ajudar os bancos comprou dívida grega, também está encrencado. Por isso tem avisado que a Grécia pode ser o gatilho da volta da crise bancária.
O FMI tem ido à Grécia de três em três meses para avaliar as medidas de ajuste fiscal. Reclama que o governo tem funcionário público demais e que os gregos se aposentam cedo, que o governo pode vender ativos e cortar gastos. É tudo verdade.
Mas os gregos na Praça Syntagma, no microfone aberto 24 horas por dia, como numa Ágora moderna, reclamam: falta emprego; as empresas estão quebrando; o país, encolhendo. É tudo verdade também: o PIB despencou 5% no primeiro trimestre, o desemprego subiu para 16%. A população sente na pele a recessão.
Nas próximas semanas o governo usará o voto de confiança que conseguiu para aprovar aumento de impostos e privatizações. Entre as propostas: reduzir a folha do funcionalismo público em 150 mil pessoas; aumentar a idade mínima de aposentadoria; cortar pensões; benefícios sociais como seguro-desemprego e cobertura de saúde. A economia seria de 28 bilhões entre 2012 e 2015. A privatização de empresas, aeroportos e bancos estatais levantaria mais 50 bilhões.
O FMI e os líderes europeus fazem exigências e o povo na Ágora protesta. Se o país for deixado à própria sorte não se salvará. Como disse o mais importante poeta grego do século 20, Konstantinos Kaváfis, a Grécia parece estar à espera dos estrangeiros. "É que os bárbaros chegam hoje. Que leis hão de fazer os senadores? Os bárbaros que chegam as farão". Mas se eles não chegarem pode ser pior: "Sem bárbaros o que será de nós? Ah! eles eram uma solução".
Entrevista:O Estado inteligente
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