O GLOBO - 04/03/11
Parmênides, o filósofo pré-socrático que inspirou Milan Kundera a escrever "A insustentável leveza do ser", explorou os contrastes entre a presença e a ausência de certas qualidades. Curiosamente, ao contrário do que seria a inclinação lógica natural, o peso era definido como a ausência de leveza, ou a não leveza. O impressionante desempenho do PIB brasileiro no ano passado revelou uma não leveza que torna a sua manutenção insustentável.
De acordo com a última divulgação do IBGE, a economia brasileira cresceu 7,5% em 2010, um ritmo certamente "milagroso", à la década de 70. No entanto, para o desgosto dos não economistas, não faltam profissionais da área para dizer que tal ritmo de expansão não é sustentável. De fato, a incapacidade de manter a economia brasileira crescendo nessa velocidade já se reflete na aceleração inflacionária, em curso desde o fim do ano passado. É este comportamento dos preços que revela os desequilíbrios do crescimento brasileiro, ou a não leveza das suas fontes principais.
Ao menos dois fatores contribuíram fortemente para a expansão da demanda agregada que impulsionou a atividade no país em 2010. Primeiro, a expansão do crédito, sobretudo dos bancos públicos, que, em 2009, foi utilizada como instrumento de combate aos efeitos recessivos da crise financeira de 2008, mas que posteriormente se transformou em um forte impulso econômico pré-eleitoral. Segundo, o aumento dos gastos do governo, sobretudo nos últimos meses de mandato do ex-presidente Lula. A inflação só não foi maior do que os 6% registrados pelo IPCA porque o mundo ajudou. A fragilidade da economia americana, a crise fiscal nos países europeus e a perspectiva de desaceleração da atividade mundial, que deixaram todos apreensivos em meados do ano passado, impediram que a dinâmica dos gastos internos provocasse um forte estrago inflacionário.
O contexto global hoje é outro. Os preços dos alimentos no mercado internacional se aceleraram substancialmente no fim de 2010, devido tanto a fatores climáticos e quebras de safra quanto à maior demanda das economias emergentes, contaminando a inflação em diversos países, inclusive no Brasil. A este quadro somam-se agora as perspectivas sombrias para o preço do petróleo, influenciadas pelas revoltas no Oriente Médio. Esse ambiente, combinado com as políticas monetárias frouxas nos países avançados, gera um panorama bastante preocupante para a inflação global.
Inserido em um mundo de ambiente inflacionário mais hostil, o Brasil não pode sustentar o peso dos seus desequilíbrios internos sem elevar substancialmente os riscos de um maior descontrole da inflação. É hora, portanto, de restaurar a leveza do crescimento brasileiro por meio dos cortes de gastos anunciados e dos ajustes monetários e creditícios. Disso é que depende a sustentabilidade futura da expansão da renda e dos ganhos de bem-estar para a população.
MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE Economista, professora da PUC-Rio e diretora do Iepe/CdG
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