O ministro Joaquim Barbosa (STF) sinalizou aos réus do processo do
mensalão que deve deixar para apresentar seu parecer apenas em 2012.
Trata-se de péssima notícia para os acusados. O adiamento leva o
julgamento para o olho do furacão de um ano eleitoral, quando os
ânimos estão exacerbados e as paixões políticas, em geral, a flor da
pele. Politicamente, o julgamento agora pode alterar a relação de
forças no governo. Juridicamente, o ideal seria mesmo 2011.
É um ano de intervalo eleitoral, portanto, sem a pressão do calendário
da eleição municipal de 2012 sobre a mídia e o próprio Judiciário.
Mesmo que se trate de uma eleição para prefeito e vereadores, o ideal
para os acusados e seus advogados o melhor era que o julgamento
ocorresse este ano, no segundo semestre, por volta de setembro, como
era previsto. Ou então deixado definitivamente para 2013.
Interessa a todos que o julgamento seja realizado distante das
pressões eleitorais. Isso dará maior segurança de justiça feita, seja
na condenação ou em eventuais absolvições, graça sinceramente esperada
por alguns réus. O que não deve é pairar dúvida sobre os procedimentos
no processo. A recente quebra do sigilo fiscal dos réus, entre outras
medidas determinada por Barbosa, por exemplo, cheira queimado.
Julgamento em 2012 altera relação de poder
Pedida pelo procurador-geral Roberto Gurgel a pouco mais de dois meses
do fim de seu mandato, foi acatada pelo relator Joaquim Barbosa sob a
justificativa de ser medida necessária para calcular possíveis multas,
em casos de condenação. O fato é que esses sigilos já estão nos autos.
A movimentação fiscal, bancária e telefônica dos réus foi virada do
avesso nas CPIs do Congresso e na denúncia oferecida pelo Ministério
Público Federal.
Alguns dos acusados vão além e avaliam que Joaquim Barbosa, ao aceitar
a argumentação de Roberto Gurgel, deu a entender estar mesmo
predisposto a condenar, mandar pagar multas e aplicar eventuais penas
de restrição de liberdade.
Em resumo, assim como à mulher de César não basta ser honesta, a
Justiça também precisa parecer que é imparcial. Se o processo dos
assim chamados "mensaleiros" ficar para 2012, o julgamento ocorrerá
provavelmente alguns meses antes da eleição do ministro Barbosa para a
presidência do STF, no segundo semestre, o que não deixará de ser um
constrangimento para seus colegas.
O adiamento é um golpe nos planos dos acusados de integrar o mensalão
que tentam se recolocar no cenário político. O mais importante, entre
eles, é o ex-ministro José Dirceu. Ele é um dos que não têm dúvidas de
que o julgamento em 2012 será eleitoral. Dirceu esperava ser um dos
primeiros a ser julgados e... absolvido. É fundamental para José
Dirceu, que mantém influência no PT, retornar plenamente ao jogo do
poder e encurtar a distância política que Antonio Palocci (Casa Civil)
abre de vantagem a cada dia que ele passa na condição de suposto
"chefe de quadrilha".
Movimentos feitos no Palácio do Planalto intrigam os acusados de
operar o esquema do mensalão. Não que a presidente Dilma Rousseff e
auxiliares tenham ficado contrários, mas distantes, em atitude
prudente, em relação às tentativas de retorno desencadeadas por alguns
deles. Por exemplo: não se envolveu na eleição de João Paulo Cunha
(PT-SP) para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara (CCJ). Argumento: era um problema da Câmara, o PT da Câmara
resolveria. Ou seja, também não ajudou.
O reingresso do Delúbio Soares no PT também não provocou qualquer
reação no Palácio do Planalto Talvez não devesse mesmo, mas os
acusados de integrar o esquema registraram. A ida do ex-deputado José
Genoino para o Ministério da Defesa também entrou na conta do ministro
Nelson Jobim, amigo de 40 anos do ex-presidente petista.
Do ponto de vista "mensaleiro", o ministro Jobim tomou a iniciativa e
o Palácio do Planalto gostou, mas ficou quieto. Delúbio Soares e José
Genoino, além de João Paulo e José Dirceu, todos dependem do veredito
do STF para tentar ou não um retorno à cena política e eleitoral.
Isso sem falar de outros poderosos do primeiro governo Lula, como Luiz
Gushiken, ou dos não petistas como Roberto Jefferson (PTB), cujas
denúncias desencadearam o processo do mensalão.
Além de intrigar, o comportamento dos palacianos causa desapontamento
no grupo petista do mensalão. Por um motivo: quando Palocci foi
acusado de quebrar o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa,
houve um esforço concentrado do antigo governo - que em grande medida
é o mesmo de agora - para que a situação fosse logo resolvida. O fato
é que Palocci nem chegou a ser denunciado pelo Ministério Público
Federal e pode ser absorvido sem problemas pela campanha de Dilma,
onde se tornou um de seus mais influentes assessores. No governo virou
chefe da poderosa Casa Civil.
Dirceu e os demais réus petistas jamais reconhecerão fora dos círculos
companheiros, mas acham que ninguém no governo está empenhado em
ajudar a apressar o julgamento do mensalão. Nos momentos de maior
depressão, integrantes desse grupo dizem que o desinteresse palaciano
só pode ter um significado: ninguém no governo está interessado em que
eles voltem.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.