O professor América no Philipe Schmitter, autor de densa pesquisa sobre a democracia brasileira, com a qual embasou sua tese de doutoramento no fim da década de 60, ao passar pelo Brasil, recentemente, deixou no ar incitante indagação: por que o país ainda conserva o “fóssil corporativista”? Referia-se ele ao modelo adotado por Getulio Vargas e inspirado em Mussolini, cujos elementos se apresentam organicamente vivos ainda hoje, bastando olhar para algumas de nossas instituições, que se amarram à frondosa árvore estatal, como centrais sindicais, ou as entidades que vivem de contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, como as que integram o Sistema S, encabeçadas por Sesi, Senai, Sesc e Senac.
O corporativismo brasileiro continua a dar as cartas pela relação de troca que estabelece. Os escudeiros do corporativismo, sejam representações laborais ou empresariais, querem mamar nas tetas do Estado. E este usa o equipamento para manter certo controle sobre elas.
Em pleno século 21, o Brasil ainda não se livrou de um fenômeno que faria sentido nos anos 30, e que foi eliminado em países de costumes parecidos, como o México, onde a democratização esfacelou o modelo corporativista. A surpresa se torna ainda maior quando se observam a variedade de grupos étnicos e religiosos e a diferenciação das economias sub-regionais, características brasileiras que, por si só, dariam margem ao desenvolvimento de sólidas estruturas pluralistas e, consequentemente, ao desmoronamento do corporativismo.
Expliquemos as razões da sobrevida desse fóssil, a partir de rápida interpretação sobre o ethos nacional.
Somos um povo acostumado a viver sob a tutela do Estado. Cada ator social – grupamento, núcleos organizados, setores – imbui-se de pertencimento, a noção de que tem direito a uma cota do patrimônio estatal. O patrimonialismo é o primeiro patrocinador do corporativismo.
A este valor se agrega o cartorialismo, o costume de registrar as conquistas em cartório. Resulta disso a proliferação de leis e decretos. O foro legislativo entope-se com a enxurrada de normas que visam a atacar, defender e preservar posições. O corporativismo, como se vê, se ancora em restrições, concessões, janelinhas de oportunidades e balcões de benefícios.
Quanto mais o país avança na avenida da modernização de processos e práticas da gestão pública, mais amarrado fica à floresta legislativa. Dessa forma, os trens velozes da contemporaneidade correm atrás da carroça protecionista. Esse é o gigantesco paradoxo de nossa democracia funcional. O pluralismo que se enxerga na gama de instituições sociais e políticas, nas organizações não governamentais, nos grupos de interesse, não ganha correspondência no campo do voluntarismo e nas frentes de livre escolha. A miríade de associações, cada qual defendendo reivindicações de nichos, se acostumou ao ofício de articular com os Poderes para baixar decretos, normas, instruções ou leis específicas de cunho protecionista. Tal composição, aliás, condiz com o formato de uma sociedade agrupada em núcleos especializados. A especialização se amplifica com a formação de cadeias e coalizões voltadas para eleger suas representações ao Parlamento.
Impõe-se a pergunta: quem levantará a bandeira dos grupos sociais desorganizados, das massas periféricas? Os partidos? Ora, também começam a agir de maneira corporativa.
As 27 siglas que giram na constelação partidária acabam sendo responsáveis pelo caráter fluido da política. Competitividade maior haveria se tivéssemos apenas cinco ou seis partidos, que, ajustados ao arco ideológico, fariam representação mais adequada às divisões sociais. Sob essa configuração, o conceito de bem comum ganharia força.
FONTE: JORNAL DO BRASIL
Entrevista:O Estado inteligente
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