Há no Museu do Prado, em Madri, uma pintura de São Miguel Arcanjo de
espada em punho, dominando os demônios a sua volta e trazendo paz aos
eleitos no Paraíso. Além de refletir uma força extraordinária, o
quadro guarda um detalhe que escapa ao admirado visitante. É que a
cena reflete o pleno domínio de São Miguel sobre demônios vivos, não
mortos ou moribundos, mas arregalados e espantados pela autoridade
moral do arcanjo-mor do Paraíso. É a vitória da não violência.
Os demônios da vida social brasileira precisam de uma espada de
arcanjo em seus pescoços. O governo é um demônio a dominar e
exorcizar, e isso está ficando muito claro até para o próprio governo.
Terá a presidente Dilma essa dupla capacidade de, embora sendo
governo, bancar o São Miguel que dominará os demônios da vida
brasileira? Nossa aposta permanece positiva. Ao anunciar cortes de
cerca de R$ 50 bilhões no orçamento federal de 2011, a presidente fez
o gesto inicial de desembainhar a espada. Daí a enfrentar demônios,
são mais outros 50 bilhões...
Temos aqui capetas para todos os gostos de filmes de terror. Na
economia, convivemos há muito tempo com uma trinca dos diabos: a
burocracia peluda, o desperdício de rabo longo e a tributação
enlouquecida. São diabos asquerosos, todos eles a serviço da
manutenção do poder abusivo do Estado sobre a vida normal dos
brasileiros nesta República. Agem como vampiros por sugar a seiva do
desenvolvimento da nação: os investimentos e o aumento da
produtividade. Pelo caminho, matam a criatividade e o
empreendedorismo. Deveriam ser mantidos à distância do povo que
trabalha e produz. Mas hoje se dá o inverso.
Estamos no império da burocracia, essa secretária da morte do
progresso, já que a peluda enreda as atividades do empresário e do
cidadão comum, roubando-lhes o bem mais precioso, seu tempo.
Calcula-se em 0,5 ponto porcentual do PIB a perda de crescimento anual
por causa do excesso de burocracia, o equivalente a nos tomarem cerca
de R$ 70 bilhões em investimentos adiados ou cancelados, a cada ano,
por puro efeito dos excessos de regulamentos, carimbos, contraordens,
erros de lançamento em cobranças, multas injustas e outras pragas. A
burocracia peluda, o desperdício de rabo longo e a tributação
enlouquecida vampirizam o país
Outros R$ 70 bilhões anuais vazam pelo ralo largo dos desperdícios,
como aponta Raul Velloso em nosso trabalho conjunto sobre o grande
desperdício fiscal no Brasil. O gasto corrente sem retorno é igual ao
que se deixa de investir em infraestrutura – 2% do PIB –, o suficiente
para acrescentar mais 0,5 ponto de crescimento anual, permanentemente,
à renda e ao emprego. É urgente uma auditoria da eficiência dos
procedimentos de gastos de consumo do governo. Não é ideia nova, pois
prevista no Artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal e, por óbvio,
deixada de lado sem cumprimento... há dez anos! Com esse duplo ataque
à burocracia e ao desperdício público, Dilma somaria mais 1 ponto de
crescimento anual, fazendo saltar de 4% para 5% a média nesta década.
Isso, sim, seria combate à pobreza, inclusive mental.
Mas nada há que se compare ao manicômio tributário nacional. Nele
perdemos mais de 1 ponto porcentual de crescimento todo ano. Vivemos
no paraíso dos impostos e no inferno do contribuinte. A simplificação
nessa área tem de ser corajosa. E sem reedição de velhos demônios,
como a CPMF. Para chegar lá, o manicômio tem de pegar fogo. A
mobilização popular contra os impostos malucos tem de tomar a
proporção de revolução em país árabe. Lembrava-nos o vice-presidente
Michel Temer, em recente debate do Movimento Brasil Eficiente no
auditório do jornal O Globo, que nada se fará de relevante nesse campo
dos impostos sem uma intensa mobilização da sociedade. Sou eu, é você,
somos todos na luta por resgatar o pedaço do Brasil do futuro que os
três demônios – da burocracia, do gasto inútil e do imposto insano –
ainda querem nos tomar. É um Brasil a mais a ser ganho – ou
definitivamente desperdiçado.
Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, março 20, 2011
PAULO RABELLO DE CASTRO Sobre os demônios que nos atormentam
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