Já estive em Paris algumas vezes, mas, cretino topográfico que sou,
nunca aprendi a andar na cidade. Assim como em relação a outras
grandes e famosas cidades estrangeiras onde também já estive ou morei,
sempre escolho o lado errado. "É por aqui", digo eu, e é
invariavelmente por ali, jamais por aqui. Não falha e creio mesmo que
eu talvez até pudesse servir de guia para visitantes, porque, para
fazer indicações corretas, teria somente que me dirigir ao lado oposto
do que me parecesse certo, embora a experiência pessoal me tenha
demonstrado ao longo da vida que a escolha não é simples, porquanto,
depois de levar em conta essa deficiência, penso, penso e, voilà!,
erro outra vez. Ou seja, não importa o tempo gasto no exame do rumo a
tomar, a conclusão é invariavelmente errada, acho que se trata de uma
espécie de lei científica ou imposição de um carma ingrato.
No caso de Paris, nunca conversei com ninguém que tenha estado aqui
que não conheça intimamente todos os cantos da cidade, com a
familiaridade de quem fala sobre seu quintal. "Ali na feirinha do
Marais", diz um, com o ar de um carioca mencionando a feira hippie da
Ipanema. "Esse restaurante fica pertinho da estação Vavin, é lá que eu
costumo bater um papo com o pessoal de Montparnasse, é uma turma ótima
que eu tenho lá", relata outro, até com um certo tédio por não haver
canto de Paris que já não haja desbravado.
Esse quadro, para mim tão humilhante, é ainda composto pelo que meus
colegas escritores e jornalistas costumam borbotar em crônicas e
reportagens, ou seja, o conhecimento absoluto da obra de todos os
artistas cuja vida é ligada a Paris. A maior parte, imagino eu, só não
descreve sua amizade estreita com Toulouse Lautrec, Edith Piaf, Sartre
ou Picasso porque eles já morreram. Se vivos estivessem, sairiam todos
para jantar na Jupe Gonflante (nome que acabei de inventar) velhíssima
taverna de que os Dumas eram frequentadores habituais, onde se bebe
absinto e se come um fantástico canard aux sanglots longs (prato cujo
nome também acabei de inventar), contanto que se seja amigo do Gilles
Bavard, mitológico cozinheiro que só prepara esse prato para seus
amigos pessoais e tem ataques de fúria quando alguém pede o vinho
errado, pois que só admite alguns tintos do vale do Loire (tampouco
sei se há vinhos tintos produzidos no vale do Loire, que também não
sei direito onde fica e só sei que é na França, porque me ensinaram no
ginásio) e qualquer outro deve ser rejeitado com indignação.
Que vontade eu tinha de estacar diante de um prédio centenário perto
da Place de la Concorde e entrar numa epifania em que me viesse à
mente a obra dos grandes arquitetos e urbanistas que povoam a história
de Paris e da França! Os que escrevem sobre viagens a Paris conhecem
todos eles e são capazes de explicar o seu trabalho em minúcias
técnicas e estéticas fascinantes, não cessando de, aqui e ali,
salpicar uma palavrinha sobre os detalhes de certa cariátide que mira
o Sena, ou a pequena estatueta de Baco encarapitada na cimeira no
prédio carinhosamente conhecido, desde o tempo de Napoleão, como le
petit Capitole (de novo, tudo inventado por mim agora mesmo), que só
não conhece quem nunca saiu de Niterói. E como eu gostaria de fazer
comentários como "este vinho tem uma linhagem plebeia, mas seu buquê
meio sonso denuncia certa fanfarronice inocente, que cativa os
paladares mais ingênuos e ocasiona uma condescendência indulgente em
quem o experimenta".
Pensei em mentir um pouco, depois de passar a noite consultando o
Google, para em seguida escrever qualquer coisa como "Conversando com
Monet na rive gauche", mas acabei desistindo, não consigo a
familiaridade que nos outros é congênita. Nem mesmo algo mais modesto,
tal como "Uma visita ao Louvre", até porque nenhum dos outros sequer
se digna a falar no Louvre, por se tratar de coisa de iniciantes, já
que, para os conhecedores, nada mais cafona do que visitar o Louvre,
esse museu tão batido e algo passé, aonde só vai quem nunca esteve em
Paris e aprecia a companhia de turistas americanos e japoneses. A
Torre Eiffel, nem pensar, o Arco do Triunfo só com um bocejo distante,
a avenida Champs Elysées apenas para mostrá-la entediadamente a um
parente do interior, o Moulin Rouge exclusivamente para suscitar um
risinho de mofa contra quem ousa perguntar por ele.
Tristes circunstâncias, que fazem com que eu me recolha às minhas
limitações e, envergonhado, reconheça que não tenho nada a acrescentar
ao que já escreveram e ainda escrevem os meus colegas que visitam
Paris. Estou passando uma semana aqui e não me apareceu nada para
escrever que não possa vir a ser tido como uma embaraçosa demonstração
de insipiência terminal e completa falta de traquejo.
Dessa forma, peço desculpas a todos os que desaponto com essas
observações e solicito vênia para dedicar as últimas linhas desta
crônica às dúvidas que talvez ainda assaltem alguns amigos e
contemporâneos lá da ilha. Ary de Maninha certamente ficará
decepcionado em saber que, aqui em Paris, não vi nem sinal de mulher
de peito de fora, como nos levavam a crer os filmes com Martine Carol,
Françoise Arnoul e, mais recentemente, Brigitte Bardot. A Toinho
Sabacu, faço saber que diferentemente do que contava o finado Maneco
Brilhantina, depois de sua propalada e nunca provada viagem a Paris,
nenhuma francesa tarada quis me agarrar após saber que eu era
brasileiro. E, para encerrar, comunico a Zecamunista que,
diferentemente do Brasil, onde todos os políticos são de esquerda,
aqui muitos deles se declaram de direita. Deve ser por isso, Zeca, que
a França não vai para a frente e aqui não tem nada que não seja melhor
no Brasil.