de que era necessário passar pela experiência do PT no poder para o
País apressar o passo na construção do futuro com mais harmonia e
menos beligerância. Em seus 23 anos de existência até então, o PT
fizera oposição agressiva, belicosa e sistemática a todos os governos
que passaram pelo Planalto. Foi contra a Constituição de 1988, contra
a eleição de Tancredo Neves, contra o Plano Real, contra o pagamento
da dívida pública, contra as privatizações, contra o fim dos
monopólios, contra as políticas monetária e cambial de FHC, contra o
Proer, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra a reeleição,
enfim contra tudo o que não vinha do PT. E, é preciso reconhecer, na
maioria das vezes foi bem-sucedido na adesão popular ao estilo "sou
contra".
Ao chegar ao poder o partido tratou de esquecer os seus "contras" e
renegou seus credos: não mudou uma vírgula na política econômica de
FHC, que tanto combatera, não desfez as privatizações, respirou
aliviado com o Proer, aprofundou o Plano Real, elevou juros, pagou e
multiplicou a dívida pública, para alegria dos banqueiros, que tanto
xingara no passado. Aprendeu? "
A prática é o critério da verdade", ensinou Karl Marx. Foi a prática
de governar que levou Lula e o PT a enxergarem a verdade que
repudiaram quando eram oposição. E aprenderam. Algumas vezes bem
rápido, como ao conduzir a política econômica de FHC. Outras, nem
tanto. Do acervo de lento aprendizado faz parte o estilo autoritário
na relação com a sociedade, que explica o apoio político de Lula a
ditadores e o desprezo pelos direitos humanos violados em países como
Irã e Cuba. O autoritarismo está também na tentativa de Lula de criar
conselhos para controlar a imprensa, a cultura e a liberdade de
expressão e criação. Nisso sua sucessora aprendeu mais rápido. Para
não deixar dúvidas, ela vive repetindo preferir "o barulho da imprensa
livre ao silêncio das ditaduras". E critica abertamente a violação dos
direitos humanos no Irã.
Por isso, se partiu de Dilma Rousseff, surpreendeu a tentativa de
interferir na diretoria de uma empresa privada, a Vale, e tirar da
presidência um executivo que já foi e deixou de ser o preferido do
governo. Lula tentou e não conseguiu degolar Roger Agnelli desde a
crise financeira de 2008, que levou a Vale a demitir funcionários. Por
mais que as novas contratações na empresa tenham superado as
demissões, alguns meses depois, Lula persistiu na degola porque a
direção da Vale se recusou a instalar usinas siderúrgicas em Estados
governados pelo PT e onde não fazia nenhum sentido econômico
construí-las.
Se o desempenho de Agnelli não é satisfatório, cabe aos acionistas da
Vale decidirem afastá-lo. Para o governo é constrangedor seu ministro
da Fazenda, de quem se espera conduta séria e transparente, procurar
às escondidas o dono do Bradesco, maior acionista da empresa, e pedir
a cabeça de seu presidente. Não se sabe se o ministro da Fazenda foi
incentivado por Lula, por Dilma ou se agiu por sua conta e risco. Mas,
das três alternativas, a que causa surpresa e decepção seria ter a
iniciativa partido da presidente Dilma. Trata-se de um descabido gesto
autoritário que se imaginava página virada em sua conduta.
Se o governo não respeita o direito de uma empresa privada ser
administrada por seus acionistas, imagine como age em empresas
públicas, onde o acionista controlador não é identificado - porque são
todos os brasileiros - e o presidente da República se considera o
dono, por ter sido eleito pelo voto. Por isso as empresas estatais são
usadas para abrigar políticos derrotados nas urnas (vide Geddel Vieira
Lima, do PMDB, que acaba de ser nomeado vice-presidente da Caixa),
privilegiar empresas amigas com empréstimos e prestar favores a
políticos. Servem, enfim, a toda sorte de negociação de interesse de
quem está no poder. Uma empresa pública deve servir ao interesse
público, à população. No livro Em Brasília, 19 horas, o jornalista
Eugênio Bucci narra sua saga em levar à Radiobrás o conceito de
empresa pública. Não conseguiu.
Jornalista, é professora da PUC-Rio
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO