Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, março 21, 2011

Luiz Carlos Mendonça de Barros A presidente Dilma e a economia

VALOR ECONÔMICO
A entrevista da presidente Dilma ao Valor na última semana é uma fonte
muito rica para entender sua leitura da economia brasileira hoje.
Apesar do pouco tempo de Dilma Roussef no Palácio do Planalto, já
sabemos que ela tem uma forma mais profunda de tratar publicamente os
temas relevantes sobre o Brasil. Na era Lula as entrevistas do
presidente muito raramente traziam alguma contribuição ao entendimento
das prioridades e políticas de seu governo.

Em todas as respostas da presidente à jornalista Claudia Safatle
podemos encontrar um ponto em comum: ela está trazendo finalmente ao
governo alguns dos conceitos e prioridades do pensamento econômico do
PT.

Nos oito anos de Lula isso não aconteceu na medida em que a política
econômica foi o resultado de uma simbiose confusa entre conceitos e
objetivos herdados do período FHC, respostas pragmáticas a desafios de
natureza conjuntural que ocorreram e, claro, algumas prioridades
históricas do PT. Esse todo heterogêneo desaguou em um período de
sucesso na economia em função do cenário conjuntural extremamente
favorável, principalmente pela elevação expressiva dos chamados termos
de troca de nosso comércio exterior.

Os preços de nossas exportações em alta e uma deflação dos produtos
industriais importados geraram ao longo do segundo mandato de Lula um
ganho anual de renda interna da ordem de 1,6% do PIB. Estimulada por
essa força externa e trabalhando com uma folga estrutural em setores
chaves como o mercado de trabalho, a economia cresceu a taxas elevadas
sem que a inflação fugisse do controle. Em 2011 os efeitos positivos
da melhora de nossos termos de troca continuam a empurrar a economia,
mas as condições conjunturais internas não são mais as mesmas. Por
isso as pressões inflacionárias começam a tomar uma dimensão que não
tiveram no governo Lula.

A presidente Dilma foi incisiva em defender o controle da inflação,
mas seguindo um receituário diferente do estabelecido no sistema de
metas de inflação que prevalece desde 1999. Ele segue mais de perto o
pensamento econômico do PT histórico, que defende ser possível o
combate a uma inflação de demanda, como vivemos hoje, sem comprometer
o crescimento. Essa opção da presidente fica clara quando ela promete
um combate implacável à inflação mas, ao mesmo tempo, assume um
compromisso com um crescimento do PIB da ordem de 5% ao ano. Para este
analista esse duplo objetivo é incompatível e um deles terá que ser
deixado de lado. Hoje me parece claro que a corda vai arrebentar do
lado da inflação.

Essa nova postura do governo tem implicações importantes. Em primeiro
lugar o Banco Central está abandonando na prática - depois de mais de
12 anos - uma das cláusulas pétreas do regime de metas de inflação
implantado em 1999. Até agora, quando a inflação ameaçava superar de
forma sustentada o centro da meta, o Banco Central entrava em cena
aumentando os juros. Seu objetivo era o de criar condições para que
houvesse - no mais curto espaço possível - uma volta da inflação ao
centro do intervalo de metas em vigor. Nessa sua missão, o crescimento
da economia passava a ser uma variável dependente da intensidade do
aumento dos juros.

Dada a credibilidade que o BC ganhou junto aos agentes econômicos, ao
longo de vários anos, o mercado projetava poucos meses à frente o fim
do aumento dos juros e - mais importante - o momento em que o Copom
passaria a reduzi-los. Em outras palavras, as expectativas de inflação
estavam ancoradas em função da credibilidade do Banco Central.

No governo Dilma o Copom trabalha com um mandato duplo, ou seja, o de
trazer a inflação para a meta e viabilizar uma meta mínima de
crescimento fixada pelo Planalto. Além disso existe uma restrição
adicional que é a decisão de não permitir uma nova rodada de
fortalecimento do real como instrumento para forçar os preços dos bens
que trabalham com preços em dólar para baixo.

Nessas novas condições, mesmo que a intenção do governo seja a de
manter a inflação estritamente sob controle - como reafirmou na
entrevista a presidente - a trajetória de convergência para o centro
da meta será outra, bem diferente da que ocorria até agora. Não vejo
um problema grave nessa mudança, se for apenas um ajuste no prazo de
convergência da inflação e da utilização - adicionalmente à elevação
dos juros - de outros instrumentos de aperto nas condições
financeiras. Neste caso estaríamos jogando para 2012 o fim do aperto
monetário em andamento.

Mas se a limitação na redução no ritmo de crescimento for um
impedimento à liberdade do BC de buscar novamente o centro da meta,
estamos diante de uma política monetária de outra natureza. Nas
condições atuais da economia brasileira, principalmente com os níveis
de desemprego de hoje, essa nova postura do governo vai levar a níveis
de inflação bem mais elevados. Portanto, a questão não se trata mais
de um prazo maior ou menor de convergência da taxa de inflação, mas
sim de uma terrível inconsistência teórica. Que, aliás, faz parte do
receituário tradicional do PT e que ficou de lado durante o mandato do
presidente Lula.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é
diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações.

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