Com grande alarde, a CNBB lançou um documento intitulado Fraternidade
e a Vida no Planeta como orientação da Campanha da Fraternidade de
2011. Tratando-se de um documento teológico-político, sua preocupação
central consiste em influir no atual debate sobre as relações entre
civilização moderna e meio ambiente. Mais especificamente, seu
objetivo reside em participar diretamente da discussão atual sobre a
revisão do Código Florestal. Não estamos diante de uma preocupação
religiosa politicamente neutra, mas que obedece a diretrizes
contempladas nas pastorais da Igreja, nos ditos movimentos sociais e
na doutrina da Teologia da Libertação.
Em manifestações, aliás, muito sensatas, de alguns altos dignitários
da Igreja, aparece uma preocupação muito genuína com a preservação
ambiental, sem ranços ideológicos. Cuidados relativos à coleta
seletiva de lixo, contra os desperdícios de água, a poluição de rios e
do ar e o uso abusivo de agrotóxicos, por exemplo, entram nessa linha
de conduta.
Essa é, no entanto, a apresentação pública, em muito distinta do que
consta no documento, eivado de ranços contra o capitalismo, a
propriedade privada, o lucro e o agronegócio. Convém, preliminarmente,
ressaltar que foi graças ao capitalismo e ao agronegócio que a
sociedade atual veio a produzir abundantemente alimentos em escala
planetária e a baixo custo. Nunca tantos comeram e jamais foram tão
boas as condições de vida.
Os países que aboliram a propriedade privada e "produziram" sem o
lucro foram os que sucumbiram à miséria. A URSS abandonou à morte
milhões de seus cidadãos por falta de comida e pela desorganização
completa da agricultura. A China de Mao seguiu o mesmo caminho, com
camponeses morrendo de fome nas estradas. Os admiradores atuais de
Cuba, muitos dos quais compartilham os pressupostos da Teologia da
Libertação, nada têm a dizer de um partido que nem consegue produzir
alimentos para a sua população. Outro representante do "socialismo",
Hugo Chávez, está conduzindo seu país à bancarrota, também com a
desorganização completa da agricultura e da pecuária.
Se tivéssemos de caracterizar a ideologia do documento o
qualificaríamos como uma mistura de ludismo e marxismo. Ludismo porque
corresponde a uma corrente política e ideológica inglesa do século 19
que recusava toda e qualquer modernização do processo produtivo, no
caso, industrial, pela destruição de máquinas, cuja inovação não era
aceita. Marxismo porque adota as categorias dessa corrente ideológica,
propugnando uma via anticapitalista, que não estaria mais orientada
pelas relações de mercado alicerçadas no lucro e nos contratos. Desta
última resgata também a ideia socialista, que ganha uma nova
denominação, a de uma sociedade "solidária", não consumista, não
capitalista, apoiada na "vida", e não na ganância. Mudou de
denominação por conveniências retóricas.
Assim, a CNBB postula que os alimentos produzidos para o mercado, sob
a forma de "commodities", sejam caracterizados como produtos de um
mercado voltado para o "lucro", que não visa à "disponibilização de
alimentos para todas as pessoas". Prossegue em suas diatribes
criticando um mercado "dominado por poucas empresas que monopolizam o
mercado internacional, impondo preços segundo suas conveniências". Mas
é obrigada a reconhecer que esse processo, baseado em "distorções",
"se reflete nos preços relativamente baixos dos alimentos". Ou seja,
na verdade, é o mercado que produz alimentos abundantes e a baixos
preços, o que contradiz sua tese de que a escassez seria a resultante
desse processo.
O documento retoma a tese do MST e da Comissão Pastoral da Terra de
que o agronegócio termina prejudicando e excluindo a agricultura
familiar. Ao contrário, porém, o fato é que o excedente da agricultura
familiar é vendido no mercado e em alguns setores, como fumo, aves e
suínos, há toda uma rede de relações entre o agronegócio e a
agricultura familiar, denominada "sistema integrado de produção". Na
verdade, a CNBB adota a postura dos assentamentos da reforma agrária,
identificando-os com a agricultura familiar, o que é um equívoco, pois
eles não possuem títulos de propriedade, não se voltam para o mercado
e estão apoiados na economia de subsistência, a qual, aliás, nem
conseguem atingir. Vivem de subsídios governamentais como o
Bolsa-Família, o que significa dizer: à custa do contribuinte.
Todo o setor da agropecuária e do agronegócio em geral é tido como
praticante de "crimes ambientais", como se esse fosse o seu costume.
Evidentemente, a prática agrícola, como ocorre em qualquer lugar do
mundo, transforma a natureza, tendo em vista a produção de alimentos.
Se assim não fosse, a humanidade morreria de fome. Há uma clara
confusão entre desmatar por desmatar, sem nenhuma preocupação
agropecuária, e a atividade propriamente agrícola, que também conserva
a natureza. Agricultura e natureza marcham de mãos dadas. Se não for
assim, ambas acabam perdendo. O agricultor ou a empresa que não
conserva a natureza dá um tiro no próprio pé.
A CNBB apoia-se numa concepção religiosa segundo a qual tudo o que
existe na natureza é resultado da criação divina, que, enquanto tal,
deve ser preservada. Trata-se de "cultivar" a "criação". O
ambientalismo estaria, nesse sentido, fundado numa cosmovisão
religiosa. Eis por que é defendida a ideia de que os comportamentos
que contrariam essa cosmovisão devem ser "corrigidos", por serem
"pecaminosos", por atentarem precisamente contra a "criação divina".
Ou seja, a Igreja assume a política dos que sabem o que é o "correto"
comportamento humano, devendo adotar medidas que o implementem. A
correção do comportamento humano seria empreendida pela "tirania dos
bons", dos "virtuosos". Isso significa que todo aquele que advoga pela
atualização do Código Florestal seria pecador.