Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 20, 2011

Merval Pereira O sexto membro

O GLOBO
Não é de hoje que o Brasil reivindica um assento permanente no
Conselho de Segurança da ONU, mas nunca esteve tão próximo de
consegui-lo quanto em 1945, quando da criação do organismo
internacional ao final da Segunda Guerra Mundial. Essa história está
relatada na tese do diplomata Eugênio Vargas Garcia, membro da
delegação brasileira na ONU em Nova York, aprovada com louvor no
Instituto Rio Branco, que ele pretende publicar em livro.

Com o título "O Sexto Membro Permanente ? O Brasil e a Criação da
ONU", conta, com base em documentos, alguns inéditos, pesquisados
tanto em arquivos nos Estados Unidos como no Brasil, como
reivindicamos pela primeira vez a inclusão como membro permanente do
Conselho de Segurança da ONU, que estava para ser criado de acordo com
uma minuta aprovada na Conferência de Dumbarton Oaks, em 1944,
"Propostas para o Estabelecimento de uma Organização Internacional
Geral".

A tese de Eugênio Vargas Garcia é de que os EUA assumiram a dianteira
do processo em parte porque seus aliados estavam ocupados demais para
investir tempo e recursos em atividades de planejamento que não fossem
voltadas para fins militares imediatos.

"Por um momento, a Grã-Bretanha travou quase sozinha a guerra contra a
Alemanha nazista e a URSS suportou uma luta titânica de vida ou morte
na frente oriental. Geograficamente distante das zonas de batalha, os
EUA não tiveram seu território continental atacado durante o conflito.
Eram, possivelmente, o refúgio mais seguro para conferências
internacionais e conclaves do gênero", analisa em seu trabalho.

Entre outras fórmulas aventadas na época, o estudo mostra que
Roosevelt acalentava a ideia de implantar um sistema chamado por ele
de "tutela dos poderosos" já que, em sua avaliação, os mecanismos de
consenso e participação universal da Liga das Nações não teriam
funcionado. "Era preciso lançar mão de expedientes mais drásticos" .

Em discurso de 1944, Roosevelt sublinhou que o propósito supremo das
Nações Unidas podia ser expresso em uma única palavra: "segurança".
Este, aliás, era um ponto de sólido consenso entre os Três Grandes,
ressalta Eugênio Vargas Garcia.

"Muito mais praticantes do que teóricos da Realpolitik, Roosevelt,
Churchill e Stalin estavam de perfeito acordo quanto à prerrogativa
dos poderosos de gerenciar a ordem internacional nos seus termos".

O plano a que se chegou em Dumbarton Oaks poderia ser visto, segundo o
estudo, como uma versão fortalecida da Liga das Nações, controlada
pelos Quatro Policiais (Estados Unidos, Rússia, China e Reino Unido).
O Quinto Policial seria a França.

Mais tarde, na Conferência de Yalta, definiu-se a fórmula para a
votação no Conselho de Segurança: a) cada membro do Conselho teria um
voto; b) as decisões em questões processuais seriam tomadas pelo voto
afirmativo de sete membros; e c) as decisões em todos os outros
assuntos seriam tomadas pelo voto afirmativo de sete membros,
inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes. Neste
texto, explica o trabalho, estava embutido o poder de veto.

Roosevelt instruiu sua delegação em Dumbarton Oaks a sugerir que o
Brasil fosse considerado como o sexto membro permanente, uma
possibilidade que ajudaria a "reforçar a posição do Brasil" na América
do Sul.

Modelo de "bom vizinho", o Brasil era visto em Washington como
parceiro confiável e "aliado fiel".

No entanto, analisa a tese de Eugênio Vargas Garcia, essa concordância
de Roosevelt não foi uma iniciativa meticulosamente preparada nem
chegou a ser amadurecida previamente nos círculos decisórios
norte-americanos.

O presidente Vargas tinha a expectativa de que as aspirações do país
seriam satisfeitas, como reconhecimento devido pela colaboração que o
Brasil havia prestado aos Aliados.

Segundo a tese, o respaldo de Washington - particularmente de
Roosevelt - era esperado como parte da "aliança preferencial" que
haveria entre os dois países, pelo menos na visão do Rio de Janeiro.

O Brasil chegou a apresentar proposta de emenda à Carta para conferir
à América Latina representação permanente no Conselho, na esperança de
que, se aprovada, o país fosse indicado naturalmente, mas não obteve
êxito.

O pesquisador ressalta que o presidente Franklin Roosevelt, que se
havia empenhado pessoalmente em favor da China, vencendo as objeções
de Churchill e Stalin, era quem melhor poderia levar adiante sua
intenção de criar mais uma cadeira permanente, mas sua morte, pouco
antes da Conferência de São Francisco, eliminou em definitivo essa
possibilidade.

A posição do governo dos EUA, ressalta o estudo, evoluiu de 1944 para
1945, com marcante queda no interesse em reforçar o Brasil como seu
principal aliado na América do Sul e no Hemisfério Ocidental, linha
que havia sido seguida por Roosevelt.

Quando a Conferência de Yalta teve lugar, a conjuntura já havia, em
parte, mudado, destaca Eugênio Vargas Garcia: a guerra se aproximava
do fim, o perigo maior havia passado, e esquecida a importância
estratégica que o Brasil teve na luta contra o Eixo (bases aéreas no
Nordeste) ou na contenção da Argentina "antiamericana".

Quando Truman assume, não era mais imperativo cultivar a amizade de
Vargas ou tolerar abusos de seu regime personalista.

Para Getúlio Vargas, magoado e decepcionado, não haveria sinal maior
de ingratidão, mas o estudo demonstra que ele teve contra si situações
políticas que não controlava: problemas internos o obrigaram a desviar
seus esforços da questão internacional, e a morte de Roosevelt
roubou-lhe um aliado inestimável.

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