FOLHA DE SÃO PAULO - 13/03/11
"Bossa nova" no BC apaga outra das ideias econômicas dos anos da breve e estranha regência liberal no Brasil
A NOVIDADE do governo Dilma Rousseff apareceu no governo paralelo do país, de quase qualquer país, o Banco Central. Entre dezembro de 2010 e agora, março, o BC foi dizendo ao público de modo cada vez mais incisivo que mudou a maneira de fazer política monetária.
Associada à implementação acidental de algo que por apreço à brevidade se chama de "desenvolvimentismo", tal mudança coloca mais uns pregos no caixão da regência provisória do "neoliberalismo".
Ensaio liberal aliás muito imperfeito, para não dizer paradoxal. De 1991 (Collor) a 2002 (fim de FHC), a carga tributária aumentou 32,5% (como fatia do PIB); o desmonte do estatismo deu início à criação do grande oligopólio moderno no país (teles, elétricas, minérios, bancos).
Voltando aos miúdos, o BC "sob nova administração" diz que: 1) Os instrumentos do BC para combater a inflação vão além da taxa de juros; 2) Não é preciso fazer a inflação regredir rapidamente à meta.
Essa flexibilidade, digamos, não é invenção nacional. Não por boniteza, mas por precisão, foi adotada pelos BCs pelo mundo afora, dada a situação anormal da economia no pós-crise e devido à desmoralização das ideias na prática dominantes sobre finanças, as quais levaram o mundo à breca a partir de 2007.
Acidentes políticos do governo Lula, folga nas contas externas, capital sobrante no mundo e a própria crise de 2008 abriram caminho para o avanço dos bancos públicos.
Ao final de 2007, os empréstimos (estoque de crédito) do BNDES equivaliam a 39% dos empréstimos da banca privada nacional; em janeiro de 2010, a 51,3%. O BNDES sozinho tem 21% do estoque de crédito do país (contra 17% em 2007); no conjunto dos bancos públicos, a evolução foi de 34% para 42%.
A "rede de proteção social" devia "focar" em apenas miseráveis, de acordo com o ideário da regência liberal. No Estado de Bem-Estar Tropical, os benefícios sociais estatais foram muito além. Considerem-se o gasto e a coordenação estatal em coisas como capilarização da rede de saúde, educação, benefícios para pobres e miseráveis, aposentadoria, programas de eletrificação, agricultura familiar, habitação subsidiada ou financiada pela banca pública e, em breve, internet.
Não são meros meios de redução de desigualdade e pobreza, mas combustível da economia de regiões inteiras. O Estado de Bem-Estar Tropical criou tanto o que a esquerda chama de "mercado de massas" como um pacto político. No futuro próximo, vai ser difícil ver algum governo ter coragem de mexer nisso.
Na propriedade do capital, o petismo-lulismo criou conglomerados com fundos públicos e associações com estatais, em especial em energia e na agroindústria. Além do mais, reestatizou, a sua maneira, parte do setor de petróleo e criou normas de nacionalização para a indústria de fornecedores do setor que vai fazer grossa parte do PIB.
Quando premiê de Lula, Dilma foi uma inspiradora-mor desse modelo. Ainda não apareceu com outras intervenções e até se diz que pretende privatizar parte da infraestrutura.
Mas está evidente que o Estado coordena a associação, o crescimento e a propriedade do capital, o desenvolvimento econômico de regiões atrasadas; que até no BC a "linha dura liberal" recua; que os partidos da regência liberal definham.
Entrevista:O Estado inteligente
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