O que foi pior: crise financeira de 2008/09 ou a sequência
terremoto/tsunami/desastre nuclear no Japão? A tragédia japonesa,
claro, que já matou milhares de pessoas e deixou traumatizadas
populações locais e mundo afora. Mas, do ponto de vista econômico, a
crise financeira foi muito pior. O mundo perdeu algo como 10% de sua
riqueza acumulada - e aqui não estamos falando de aplicações
financeiras dos ricos, mas de casas, empregos e poupanças de milhões
de pessoas comuns.
A tragédia japonesa está longe do fim, mas mesmo nos piores cenários
trará menores prejuízos econômicos. E a recuperação será mais rápida.
Uma visão otimista? É o que parece, considerando o ambiente. Desde
2008, os fatos sugerem o cenário da catástrofe.
Na economia, quando o mundo ameaçava se recuperar do colapso
financeiro, veio a crise das dívidas públicas na Europa. Nenhum desses
dois problemas está resolvido. Governos, empresas, pessoas e
instituições internacionais ainda lidam com as consequências, em
cenários que podem piorar.
É verdade que, no final do ano passado, a coisa parecia melhorar. Os
países emergentes não apenas estavam se recuperando, mas o faziam com
taxas de crescimento vigorosas. Entre os desenvolvidos, as principais
questões estavam encaminhadas. Os Estados Unidos voltavam a crescer e
nenhum país da Europa estava na iminência de quebrar. 2011 foi
recebido como o ano da virada. Uma ano não propriamente tranquilo, mas
pelo menos sem sobressaltos.
Aí vem a primeira surpresa - a erupção cívica no Norte da África e em
países árabes. Essa inesperada mudança na geografia política trouxe
dúvidas razoáveis sobre preços e abastecimento de petróleo,
simplesmente a principal fonte de energia do mundo. Os preços subiram
de imediato, batendo recordes.
Na sequência, a tragédia do Japão, um país relevante no equilíbrio
global. Trata-se da terceira economia do mundo; o quarto maior
exportador (com 14% das exportações de automóveis e peças e 60% das
vendas mundiais de silício, essencial nos semicondutores); o quinto
importador global; o terceiro principal comprador de petróleo e por aí
vai.
Além disso, os japoneses, poupadores históricos, são investidores
globais. Somando as aplicações financeiras do governo (comprando, por
exemplo, centenas de bilhões de dólares dos títulos do governo
americano), das empresas e dos fundos privados (com dinheiro das
pessoas físicas) os japoneses são os maiores credores do mundo. Em
papéis brasileiros, estima-se que os japoneses tenham até US$80
bilhões.
Assim, a paralisia da economia real japonesa, neste momento, já
provoca interrupções em algumas cadeias produtivas. Não é um colapso,
mas pode ser se a crise nuclear paralisar o país por muito tempo. E,
como as compras japonesas estão suspensas, isso já derrubou preços do
petróleo e de alimentos como trigo, soja e milho, conforme cálculos do
Valor Data.
(Aliás, observe o leitor como economia tem sempre verso e reverso: uma
catástrofe aterradora derruba preços de produtos essenciais e ...
alivia a vida de populações pobres de outros países que estavam
atormentadas com uma inflação de comida e combustível.)
No lado financeiro, se os investidores japoneses começarem a liquidar
seus investimentos globais, para fazer caixa e levar dinheiro para a
reconstrução em casa, isso abala mercados financeiros de Nova York a
São Paulo.
Resumindo, está tudo no ar. A recuperação econômica enfraqueceu, o
financiamento das dívidas públicas europeias parece mais complicado, o
ambiente político nos países donos ou associados ao petróleo continua
instável, para dizer o mínimo, o Japão está em suspenso e o mundo
prende a respiração diante da ameaça nuclear.
O que mais?
Façamos o caminho de volta.
O Japão vai sair dessa, com certeza. A riqueza, a cultura, a
capacidade econômica e tecnológica do país serão a base da
recuperação.
Nas reportagens exibidas pela TV Globo na terça-feira, apareceu uma
imagem reveladora. A cena mostrava o interior de um prédio público (o
que tinha sobrado, em meio a escombros) no qual pessoas comuns e
funcionários do governo organizam a busca de desaparecidos. Um
ambiente de desespero - sobreviventes procurando familiares.
A câmera mostra então uma parede na qual foram afixadas folhas de
papel com o nome dos desaparecidos e contatos dos parentes.
Gente, as folhas estavam alinhadas rigorosamente na horizontal e vertical!
Eles vão sair dessa.
Em números: segundo cálculos do Goldman Sachs , as perdas físicas
(construções e instalações produtivas) podem chegar a US$200 bilhões,
o que é muito pouco diante de um produto nacional em torno dos US$5
trilhões. Considerando um processo de reconstrução em cinco anos, por
exemplo, seriam 40 bilhões por período.
O governo japonês está superendividado, mais de R$10 trilhões (isso
mesmo, o dobro do produto nacional), mas as empresas e sobretudo as
famílias têm uma superpoupança de US$18 trilhões - dinheiro que pode
ser mobilizado de algum modo para a reconstrução. Do mesmo modo, não é
muito que os japoneses precisam retirar no mundo para levar para casa.
Tudo depende, é claro, do tempo no controle da crise nuclear e do
início da retomada. Há razões para supor que estarão no tempo.
Quanto aos outros grandes temas, os EUA produziram bons dados nos
últimos dias. Na Europa, seguem os programas para ajuste dos países
mais endividados. A crise árabe-petróleo é a que mais demanda atenção.
Enfim, não está mais fácil, mas as respostas estão em andamento.