Para um ano que nem encerrou seu terceiro mês, 2011 já teve uma dose exagerada de surpresas. Boas ou terríveis, elas aumentaram a incerteza econômica e mudaram cenários. A crise japonesa está derrubando preços de commodities. O epicentro do problema é no Japão, mas é o iene que sobe, exigindo ação conjunta do G-7 no mercado de câmbio.
Como num jogo de xadrez, cada peça mexida altera o tabuleiro. A onda de rebeliões no Norte da África e Oriente Médio trouxe a boa notícia da mudança no Egito, mas trouxe a aflição líbia. As manifestações contra governos que pareciam sólidos são um evento ainda em aberto. Está se desenrolando com consequências na política e na economia. Veja-se o caso da Arábia Saudita: ela invadiu o Bahrein porque sabe que a queda de uma monarquia - e sunita ainda por cima - pode colocar em dúvida a solidez da própria monarquia saudita. É para defender seu governo que a realeza absolutista do país do petróleo passou pela ponte com seus tanques para reprimir a população xiita do vizinho. Aposta sobretudo na impunidade com que sempre cometeu seus crimes. E ontem o rei fez declarações que desanimaram os reformistas.
O trágico caso da Líbia expõe vários problemas ao mesmo tempo. Que os crimes de Muamar Kadafi não têm limites já se sabia, mas foi de novo espantoso ver como ele atacou seu próprio povo, como acumulou riqueza pessoal, como não cede a qualquer apelo. Quando ele ameaçou parar o trânsito pelo Mediterrâneo, mostrou também como o mundo é refém de alguns loucos.
Para nós, exibiu mais uma vez a cara hesitante da diplomacia. A embaixadora Maria Luiza Viotti disse que a zona de exclusão aérea iria provocar mais efeitos danosos. E o que dizer da ameaça de Kadafi de atacar a população "sem piedade"? O Brasil acha mesmo que não tendo opinião diante de uma tragédia dessas será respeitado? Pra que serve mesmo uma cadeira na ONU, para se sentar e não votar? O direito de voto para se abster como em tantas vezes em que o mundo tem diante de si escolhas trágicas? Não há saída boa quando um país está em guerra civil, mas a zona de exclusão aérea reduzirá o poder bélico do tirano que ameaça atacar sem piedade sua população. E o Brasil diante desse dilema tem a dizer que não é contra, nem a favor, muito antes pelo contrário. Nosso único argumento foi que outros quatro também se abstiveram, entre eles, a Alemanha.
As mudanças no mundo árabe elevaram o preço do petróleo para o nível de US$100 e exibem mais uma vez a inconsistência da política de preços de derivados de petróleo. Sobe o nafta, sobe o querosene de aviação, sobem todos os derivados que não são vendidos diretamente ao público, mas não sobe o preço da gasolina. Nenhum consumidor quer aumento de preços, evidentemente. Mas política de preços que eleva o preço não visível e congela o que tem publicidade é manipulação.
Já a crise no Japão produziu nestes primeiros dias queda nos preços de várias commodities, o que ajuda no combate à inflação, mas aumenta o nosso rombo da conta corrente e pode aumentar o dólar, que eleva a inflação. Os economistas estão confusos em suas previsões: uns achando que a crise do Japão terá efeitos deflacionistas, outros prevendo mais inflação. O que há de comum nas previsões é que todos acham que a taxa brasileira em algum momento este ano ficará acima da meta e no final reduzirá um pouco o ritmo, apesar de ficar bem acima do centro de 4,5%.
O iene subiu fortemente nos primeiros dias quando deveria cair, já que a economia japonesa se enfraqueceu. Segundo Jorge Knauer, da Prosper Corretora, bancos e empresas estão vendendo dólar e comprando ienes que serão demandados no período de recuperação. Antes, o movimento no mercado financeiro global era de pegar empréstimos no Japão, que tem juros zeros há muito tempo, e investir em outros países com taxas de retorno mais altas. Mas a alta do iene pode prejudicar a economia japonesa, dificultando exportações, e por isso o G-7 decidiu numa ação conjunta evitar a valorização da moeda japonesa.
O economista Carlos Geraldo Langoni acha que não haverá dificuldade para financiar a recuperação do Japão porque o nível de poupança é muito alto, mas a valorização do iene é mais uma pressão deflacionista numa economia que já vive com esse problema: a deflação. Pode parecer estranho para nós que nunca nos livramos completamente do problema oposto, mas a deflação é uma doença econômica também com perversas consequências.
As commodities ligadas a energia estão em alta, mas há outras que caíram nos últimos dias, ainda que seja apenas uma redução do exagero de alta que aconteceu nos últimos meses. Fábio Silveira, da RC Consultores, calcula que o açúcar teve queda de 10% nos primeiros quatro dias após o terremoto no Japão, e de 20% desde meados de fevereiro. O milho caiu 6% em três dias e 14% em um mês. A soja caiu 3% em três dias e 8% em um mês. Alumínio e cobre também caíram. Minério de ferro no mercado spot também teve queda forte nos últimos dias. A queda desses produtos é notícia boa e ruim para o Brasil ao mesmo tempo, dado que reduz a pressão inflacionária, mas expõe mais o déficit em conta corrente.
Na área diplomática, a jogada de ontem do coronel Muamar Kadafi foi paralisante. Ao decretar um cessar-fogo, ele neutralizou a decisão da ONU porque qualquer ação agora contra ele pareceria muito agressiva. Se, por um lado, mostrou que o Conselho de Segurança estava certo, por outro lado, a única boa saída seria sua deposição, e ele se fortaleceu conquistando territórios agindo na indecisão da ONU. Os cenários geopolítico e econômico estão instáveis. Um ano que começou muito difícil.
FONTE: O GLOBO
Entrevista:O Estado inteligente
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