O governo obteve o que desejava. Aprovou o novo salário mínimo. Usou do rolo compressor, da maioria confortável que detém no Congresso Nacional. Um dos destaques foi a fidelidade de alguns partidos, como o PMDB, principalmente na Câmara. Evidentemente que tem um preço. O pagamento são os rendosos cargos de segundo escalão. Dada a desmoralização da política brasileira, isto é visto como algo absolutamente natural. E alguns até teorizam: isto é fruto do presidencialismo de coalização. Só no Brasil...
As votações na Câmara e no Senado permitem várias observações sobre o funcionamento daquelas Casas. E não foram simplesmente sessões ordinárias. Não. Foram, provavelmente, as mais importantes deste semestre. O desenrolar dos trabalhos causa enorme estranheza, inclusive visual. A maioria fica de pé durante a maior parte das sessões. É a minoria que permanece sentada, como ocorre em qualquer parlamento digno deste nome. Quando um orador vai à tribuna, poucos prestam atenção pois sequer conseguem ouvi-lo. O barulho, a dispersão, as conversas em paralelo impedem que os congressistas possam acompanhar o andamento da sessão. Mas quem está se importando com isso?
É fabulosa a quantidade de parlamentares ao redor da mesa diretora, todos querendo ter um segundo de fama. Acreditam que um cochicho com o presidente, caso apareça na televisão, dará ao parlamentar uma enorme importância, sinal de poder para seus eleitores. Um sorriso e um sinal de concordância do presidente, então, é o máximo. Os parlamentares buscam incessantemente locais onde possam aparecer nas imagens, como o corredor central do plenário ou os microfones para os apartes. Na política congressual, a imagem é mais importante que o discurso.
Outro estranho procedimento é a permanência de um funcionário sentado ao lado dos presidentes da Câmara e do Senado durante as sessões, dando as orientações regimentais. Ele interfere nas decisões, sugere encaminhamentos, nega solicitações, como se fosse um parlamentar. É uma espécie de babá. Os presidentes acabam reféns do funcionário que tem mais poder que a maioria dos parlamentares, mesmo não tendo recebido nenhum voto popular. Isto porque o regimento substituiu o debate. Em vez da discussão política, tivemos uma enfadonha batalha regimental.
Em meio às questões de ordem e breves discursos, a maioria dos parlamentares continuava conversando, dando risadas, lendo jornais, consultando a internet ou trocando largos cumprimentos. Sabiam que estavam sendo vistos e alguns até devem ter reforçado a tintura dos cabelos, que varia do preto graúna ao acaju. O desinteresse pelo desenrolar da sessão era compreensível. O resultado da votação era conhecido. Não estavam lá para debater a proposta do governo. Foram simplesmente obedecer às determinações do Palácio do Planalto.
A balbúrdia das sessões foi tão grande que, diversas vezes, as mesas tiveram de informar o que significavam os votos "sim" e "não". Na Câmara, o presidente Marco Maia estava perdido. E, para manter a isonomia com o ambiente, diversas vezes, ficou sentado de costas para os oradores que estavam discursando na tribuna (numa delas, de forma acintosa, quando discursava o líder do governo, Cláudio Vaccarezza, seu adversário dentro do PT). Maia optou dar atenção aos grupos de parlamentares que o procuravam para conversar, em vez de ouvir as intervenções dos deputados. Na sessão do Senado, José Sarney acabou se confundindo várias vezes e a todo momento consultava a funcionária que o assessorava (deve ser registrada a ausência na mesa de Marta Suplicy, tão ciosa, nas sessões ordinárias, no controle do tempo dos oradores).
Em meio à balbúrdia, como em um clube de adolescentes, os parlamentares brincavam, trocavam afagos e elogios. Os membros do baixo clero aproveitaram o raro momento de serem reconhecidos e ouvidos pelos líderes do governo. Estavam ansiosos para votar e ir embora. Afinal, ninguém é de ferro: queriam aproveitar a noite brasiliense.
As votações - a maioria delas não foram nominais - são meteóricas. Os presidentes falam rapidamente: "Quem está a favor, fique como está; quem for contrário, que se manifeste." A fala é tão incompreensível que a maioria do plenário continua conversando. O mais absurdo é que em meio àquela bagunça, o presidente considere uma proposta aprovada. Os contrários à proposta - que não ouviram a "votação" - são obrigados a se dirigir ao microfone para poder registrar seu voto.
Neste jogo do faz de conta quem perde é a democracia. Um jovem interessado por política deve ter ficado decepcionado com o desenrolar das sessões. Não ocorreu nenhum debate. O formalismo regimental - além do grande número de partidos e blocos - impediu que o Parlamento pudesse efetivamente transformar a temática do salário mínimo numa discussão efetivamente política. E não foi um caso isolado: esta é a prática rotineira do Congresso Nacional.
Não há vida parlamentar. E não é por falta de número: no total são 594 representantes do povo. É um dos maiores congressos do mundo democrático. Também não é por falta de recursos: o orçamento anual é de mais de 5 bilhões de reais. Mas quem consegue citar 30 ou 40 nomes de parlamentares que se destacaram na última legislatura?
O Poder Legislativo não consegue desempenhar suas funções constitucionais. O Executivo decide e o Congresso chancela, sem discussão. É tão inexpressivo como um cartório. Mas rendoso. A representação popular foi transformada em um balcão. E para a maioria dos políticos é um ótimo negócio.
Marco Antonio Villa é historiador.
FONTE: O GLOBO
Entrevista:O Estado inteligente
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