O Estado de S. Paulo - 01/02/2011
O que se pode fazer quando um chefe reiteradamente abusa do seu poder e maltrata, ataca, persegue, segrega, desdenha, despreza, desrespeita e humilha os seus colaboradores? Como fazer valer os legítimos direitos dos empregados numa situação de assédio moral ou sexual?
Há dois caminhos: o da justiça e o do entendimento. O primeiro é complexo e demorado: processos, provas, audiências, advogados, etc. O segundo é simples, mas inseguro. As vítimas de assédio que pretendem reclamar têm medo de perder o emprego ou de serem preteridas. Por isso, para a grande maioria dos empregados, o assédio moral ou sexual constitui um pesadelo intransponível.
O bom senso diz que, em lugar de remediar, o ideal é inibir a ocorrência desses fatos. Como fazer isso? O caminho é a negociação direta entre as partes.
Na semana que passou, por ação inteiramente voluntária, dirigentes sindicais dos bancários e representantes dos banqueiros firmaram um histórico acordo que tem por objetivo evitar a ocorrência e a propagação de atos de assédio moral. Tudo foi feito pela via do entendimento. Minutas e mais minutas foram estudadas e negociadas para se chegar a um bom sistema de prevenção de conflitos.
O acordo estabeleceu regras de respeito mútuo no ambiente de trabalho. As partes serão propelidas a seguir essas regras por causa de forças sociais e econômicas que estão por trás delas. Como funcionará?
O funcionário que se sentir atingido terá à sua disposição um canal de denúncia e um ritual de reclamação que exercem uma forte pressão sobre o agressor. O sigilo será mantido para ambos os lados e o banco terá um prazo curto - 60 dias - para agir e corrigir os desvios de conduta, o que na Justiça demoraria anos.
Por trás da pressão social, há também uma poderosa força econômica. A propagação de atos de assédio denigre a imagem dos bancos ante os funcionários e, sobretudo, entre os seus clientes - o que é intolerável em um ambiente crescentemente concorrencial, como é o caso do mercado financeiro.
Essas duas forças estão presentes nas expectativas dos consumidores dos dias de hoje. Pesquisa realizada pelo Instituto Akatu em parceria com o Ethos mostrou que a dimensão da responsabilidade empresarial mais valorizada pela população brasileira cai no campo das relações do trabalho. Mais especificamente, a maioria das pessoas vê com bons olhos as empresas que praticam políticas de respeito à dignidade e à diversidade dos seus empregados, que combatem o trabalho infantil e os demais tipos de discriminação.
Outro estudo, realizado pelo Instituto Norberto Bobbio da Bolsa de Valores de São Paulo, revelou que os empregados têm um alto apreço pelas empresas que cumprem adequadamente com suas responsabilidades sociais, em especial, no campo do trabalho.
A conjugação dessas forças tende a levar as empresas a cultivarem um ambiente de trabalho cada vez mais saudável e guiado pelas normas da ética e das leis. Isso deve ocorrer no caso do acordo dos bancos.
Do lado dos reclamantes, o fato de o acordo exigir a identificação e a tipificação de casos concretos induz os funcionários a reclamarem com um alto senso de responsabilidade, afastando-se os oportunistas que buscam tirar vantagens de qualquer circunstância - o que equivale à litigância de má-fé na esfera judicial.
Essa simetria de direitos e deveres é de fundamental importância para amadurecimento da cooperação e do respeito entre empregados e empregadores.
O acordo firmado merece ser observado. Desde já, porém, ele surge como um grande avanço. Oxalá tal prática se multiplique para outras áreas das relações do trabalho e contribua para reduzir o ambiente de desconfiança que ainda reina na maioria das empresas e para inibir a expansão da grande "indústria de danos morais", que hoje floresce na Justiça do Trabalho do Brasil.
PROFESSOR DE RELAÇÕES DO TRABALHO DA FEA-USP
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