O Estado de S Paulo
06.março.2011 07:30:26
O PIB de 7,5% é uma distorção estatística, um holograma eleitoral, um amor de carnaval. Tal crescimento em 2010 se explica em boa parte por que o de 2009 tinha sido negativo, efeito do que foi muito mais que uma marolinha na produção brasileira. Com os gastos e isenções do governo, o consumo puxou a recuperação – e puxou também a inflação, que ficou em 6% no IPCA dos últimos 12 meses, mostrando como a cultura da indexação persiste na economia nacional. Os números reais são os deste ano, 2011, com um crescimento que mal passará de 4,5%, conta externa deficitária, investimentos ainda abaixo de 19%, renda per capita equivalente à do México. Não são uma quarta-feira de cinzas, mas estão longe de justificar os confetes que colorem a mídia chapa branca.
Chegamos ao carnaval, afinal, e o governo Dilma ainda não começou. Mas, dirão, ela prometeu cortes nas despesas públicas e deu aumento no Bolsa Família. Isso não é governar. Ninguém sabe de onde vão ser tirados os R$ 50 bilhões do ajuste, ou melhor, não se sabe nem sequer se vão ser tirados. E o aumento no Bolsa Família tem um impacto anual que equivale ao que o governo paga de juros em uma semana. Usando outro parâmetro: os R$ 2 bilhões a mais representam 0,5% do que o governo tem em reservas financeiras para manter o fluxo de dólares para cá, pois eles cobrem os custos das importações. Aliás, os estrangeiros investem no Brasil para que os brasileiros comprem mais produtos estrangeiros. Aumentar a produtividade, portanto, não é o foco da política econômica.
Essa tática de Dilma é a mesma de seu antecessor, em cujo ombro continua sentada, e o problema é que não se trata do ombro de um gigante… Consiste em agradar aos agentes financeiros de um lado e acariciar os carentes sociais do outro. Significativamente, no dia em que ela anunciou o aumento do Bolsa Família, só conseguiu um único momento de júbilo: quando citou Lula. Enquanto isso, o ex-presidente levava R$ 200 mil para fazer uma “palestra”, na verdade um autoelogio nos mesmos termos que usou e abusou durante oito anos de poder. Será que ele vai dividir esse dinheiro com alguém que não seja de sua família? Se Dilma acha que o carisma do mentor é suficiente, está em apuros.
Conheço muita gente que, como eu, é obrigada a rir para não chorar quando se diz que “o ano só começa depois do carnaval”. Só se for 2012, pelo que já trabalhamos até aqui. Não ter aproveitado os primeiros 70 dias de governo para lançar projetos sérios de reformas política, tributária e educacional, indo para tanto à TV, ao Congresso e às instituições sólidas da sociedade civil, vai custar caro a Dilma e ao Brasil. O PMDB fez balões de ensaio murchos na questão da reforma política; o governo, em especial o ministro Guido Mantega, não consegue esconder que gostaria de criar ou recriar um imposto; e o único item mencionado pela presidente na área da educação, um programa de bolsas para o ensino técnico, era tema de campanha da oposição.
Mais grave ainda é o que se vê naquilo que os bajuladores dizem ser sua especialidade. A infraestrutura brasileira não está pronta para sustentar um crescimento de 4,5%, imagine um de 7,5%. Repito, quase todos os sistemas estão flertando com o colapso: rodoviário, aeroviário, energético, portuário, ferroviário, turístico, prisional, etc. Daqui a pouco mais de três anos teremos uma Copa; daqui a pouco mais de cinco, uma Olimpíada. Os atletas terão suas medalhas, mas os cidadãos torcerão para não passar vergonha.
(“Sinopse”)
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