O Estado de S. Paulo - 03/03/2011
A elevação dos juros aprovada ontem pelo Banco Central (BC) pode conter a inflação? Alguns economistas afirmavam que não, outros que mais ou menos. Poucos diziam que sim. Uma discussão quase acadêmica, que contaminou até a equipe econômica. Ela não discute mais o assunto em público, por determinação da presidente, mas as pressões internas continuam.
Juro alto provoca distorções no câmbio, eleva o custo da dívida, ajuda pouco e o saldo final acaba sendo negativo, argumentam os críticos da atual política do governo que se vê às voltas com uma inflação acima de 6%.
O Banco Central não se impressionou pelo debate e decidiu continuar agindo para conter a demanda com os instrumentos monetários que dispõe. Juros mais altos sozinhos não resolvem, mas sem eles a pressão inflacionária seria maior.
Além disso, não está restringindo sua ação apenas sobre o custo do crédito, mas na liquidez no sistema financeiro. Está retirando mais dinheiro do mercado que injetou no estouro da crise financeira.
Deu certo, então. Mas é preciso um ajuste fiscal mais severo por parte do governo e que traga efeitos mais rápido. A associação desses fatores - juros temporariamente mais elevados, redução da liquidez, da oferta de crédito, ajuste fiscal, mais investimento em produção - formam peças interligadas de uma política econômica consistente de médio prazo. Ninguém espera resultados imediatos.
Não olham o todo. E é isso o que o BC e a equipe econômica estão fazendo. A distorção dos analistas é olhar só para um lado, e tirar conclusões precipitadas. Só veem o juro sem avaliar as outras medidas já colocadas em prática. Remédio demais, mata, dizem eles, mas a inflação não mata mais? É como ver o pé do elefante e concluir que, afinal, ele não é tao grande.
Não é bem assim. O argumento mais repetido é que a redução da liquidez não pode ser usada para conter a demanda. O respeitadíssimo Affonso Celso Pastore defende que seu objetivo é evitar bolhas que estariam sendo provocadas pela entrada de investimentos financeiros externos.
Pastore não acredita que essa bolha exista, mas alerta que não será contendo o volume de recursos no mercado que se irá impedir a alta da inflação. Há outros fatores que independem da liquidez.
Certo, mas mesmo o Pastore, que realizou um trabalho heroico quando era presidente do BC, nos anos de tormenta (eu estava em Londres e vi como ele sofreu com as dezenas de credores desconfiados do Brasil), deixa de assinalar um ponto importante em seu artigo de domingo no Estado. É que menos liquidez no sistema - o BC retirou mais de R$ 100 bilhões -, juros mais altos e prazos de financiamento menores podem desacelerar a demanda e reduzir as pressões inflacionárias.
Mas tem o BNDES. O governo não entra em contradição ao praticar essa política e, ao mesmo tempo, manter e até aumentar os recursos para que o BNDES financie os investimentos necessários das empresas a juros subsidiados? Isso vai pressionar a inflação no curto prazo, analisa o economista Luís Otavio Leal.
Curioso. Todos querem mais investimentos na indústria e na agricultura para aumentar a oferta que cresce menos do que a demanda - inflação -, mas acham que o BNDES não deve oferecer isso pelo menos agora. Fica a pergunta, se não se investe, quem investe?
Todos querem melhor infraestrutura, mas não querem que se invista nela para reduzir o custo Brasil, que onera as exportações e os preços internos, ajudando a conter a inflação.
Todos, absolutamente todos, reclamam que se investe pouco no País, cerca de 18% do PIB, que é preciso 20% ou mais para ter um crescimento equilibrado, sem maior inflação, mas condenam a política de que o incentiva, oferecendo financiamento de longo prazo a juros menores.
Poucos duvidam que o País possa crescer mais de 5% de forma sustentada - no ano passado, o crescimento deve ter ficado em 7,5% ou mais (o IBGE divulga hoje os dados) -, mas reclamam quando o BNDES dá recursos para produzir e melhorar a infraestrutura. Haja contradição.
A conta que fecha. O que a equipe econômica está fazendo é buscar equilíbrio entre esses fatores, com uma política coerente até agora. E vem conseguindo nestes dois meses e pouco de governo Dilma Rousseff.
Mais juros (paciência), menor prazo de financiamento para o consumo, ajuste fiscal, mesmo com o atual e ainda tímido investimento na agricultura e na indústria. O que veio ainda é pouco.
O que falta para consolidar uma política anti-inflacionária realista é aumentar os investimentos em tecnologia, inovação a fim de reduzir custos que serão repassados para o preço final aos consumidores e tornarão as exportações mais competitivas.
Não se trata de fatos isolados, mas de uma política coerente em que subsídios temporários ao setor produtivo não devem ser considerados heresias antiortodoxas. Afinal, não foi Keynes quem disse isso? O mesmo Keynes que os economistas estão redescobrindo agora?
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