A decisão do governo de, por medida provisória, permitir que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica possam estatizar instituições financeiras e até construtoras reproduz no país o modelo de prevenção contra danos que a economia real pode sofrer com a crise de liquidez mundial. Estatização lá, o mesmo aqui. O governo adota o figurino de emprestador de última instância, assumido inicialmente pela Inglaterra, seguido logo após pela União Européia e adotado pelos Estados Unidos.
Mas, por se tratar de Brasil e haver no governo Lula um indiscutível pendor ideológico pela estatização, a tropicalização da fórmula requer cuidados e atenções especiais.
Antes de mais nada, o simples anúncio da MP, feito pelo ministro Guido Mantega, da Fazenda, e o presidente do BC, Henrique Meirelles, projetou uma zona de desconfiança sobre o sistema financeiro nacional. Ora, se, como garantem as autoridades, não há banco nem qualquer outro tipo de instituição em grave risco no país, por que criar subsidiárias no BB e na Caixa para absorver ações de quem se encontre em dificuldades incontornáveis? É até possível que os problemas de liquidez aumentem para bancos de menor porte, as primeiras vítimas da crise mundial. A MP da estatização, o Proer de Lula, poderá ser de inevitável valia pelo simples fato de ter sido editada — a MP que se auto-realiza.
Há situações em que só a intervenção do Estado é capaz de proteger a sociedade de desastres econômicos.
Mesmo o conservador Ronald Reagan agiu, na Casa Branca, quando foi necessário evitar a quebra do Continental Illinois. Como interveio o também republicano George Bush na atual crise. Ou, para espanto de alguns, a própria Margaret Thatcher, contra todos os seus credos, para evitar que o banco inglês Johnson Matthey fechasse as portas.
Em todos esses casos, o que estava e está em jogo é a estabilidade do sistema financeiro e, por tabela, de toda a economia. É o que precisa ser considerado pelo governo Lula.
A criação do Proer — por ironia, tão criticado por Lula e PT — se justificava pela crucial necessidade de preservar o fluxo de crédito no país. O mesmo argumento vale para a MP publicada ontem no Diário Oficial. Mas preocupa que, segundo Mantega, a Caixa possa participar do capital de empresas de construção civil. Parece a reedição do malfadado “hospital” criado pelo regime militar no BNDE — ainda sem o “S” — para abrigar negócios de empresários com bom trânsito em Brasília. A crise não pode servir de biombo no desvio de recursos do contribuinte para encobrir ineficiências empresariais e atender a devaneios ideológicos.
Entrevista:O Estado inteligente
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