"Inteligência, numa campanha eleitoral, pode
ser fatal; não fosse a crise econômica, o fato
de possuí-la poderia ser fatal para Barack Obama"
Uma das grandes questões levantadas na campanha presidencial americana foi a da rúcula. Para quem não se lembra, ou não ficou sabendo, a origem do caso foi uma observação feita pelo candidato Barack Obama no estado de Iowa, ainda na época das eleições primárias. Obama instava os agricultores locais a diversificar sua produção, investindo em algo diferente do milho e da soja, e sugeriu que plantassem rúcula. "Vocês sabem a quantas anda o preço da rúcula?", perguntou. Rúcula?! A menção a essa buliçosa ervinha desencadeou um escândalo. O candidato não tinha outra hortaliça para sacar da memória? Isso revelava que ele a apreciava. Até sabia seu preço! A conclusão era inescapável: estava-se diante de um comedor de rúcula. Em outras palavras, um pretensioso, um pernóstico, um metido a besta, um cara que, como está na moda dizer no Brasil, "se acha". Isso na melhor das hipóteses; na pior, um tipo de vacilante masculinidade.
Hillary Clinton, a adversária de então, e John McCain, o da etapa seguinte, aproveitaram-se do deslize. A preferência pela rúcula era a cabal prova do que vinham dizendo havia tempo: Obama era um "elitista". O porta-voz de McCain, Brian Rogers, afirmou: "Penso que as pessoas já compreenderam que McCain não é um comedor de rúcula, um tipo de sabichão professoral". Do lado do bem, isto é, do oposto ao do comedor de rúcula, distinguem-se dois tipos: o comedor de alface, verdura muito mais razoável, infinitamente mais afim ao gosto comum, e, em melhor posição ainda, por afastar qualquer suspeita de vegetarismo, o comedor de carne. Estes, sim, são gente como a gente, pés no chão e olho no olho; em suma, gente normal.
A rúcula inscreve-se entre os temas sociais, ou culturais, que dividem os americanos, apenas um grau abaixo do aborto e no mesmo nível do evolucionismo versus criacionismo. O.k., os tipos pretensiosos são mesmo desagradáveis. O problema é que a acusação de pretensão, de resto aberta à comprovação, no caso de Obama, esconde duas outras. A primeira é de ser estrangeiro. A rúcula invadiu o cardápio americano (e mundial), a partir da culinária italiana. A própria palavra, cheia de vogais, como notou um comentarista (na versão inglesa, arugula, com mais vogais ainda), chega estrangeira aos ouvidos americanos – tão estrangeira quanto "Barack Obama". A outra acusação, mais grave ainda, é de ser inteligente. Ser "elitista", ou seja, pertencer a uma elite, é destacar-se da média, e não necessariamente pela riqueza, pelos privilégios ou pelo gosto exigente. Também pode ser pela inteligência, algo que Obama comprovadamente exibe e que – ai dele – pode resultar em fatal desvantagem para um político, um pouco por toda parte, mas em especial entre os países desenvolvidos, nos EUA.
Tem sido característico da atual campanha americana atacar como defeitos as virtudes de Obama. Ele é querido no exterior, a ponto de atrair multidões a um evento em Berlim? Hummm… Quer dialogar, em vez de guerrear contra os países com os quais os EUA têm diferenças? Hummm… Mais "hummms" provocam seus dotes intelectuais. Estudou em Harvard? Fala bem e pensa claro? Escreve os próprios livros e discursos? Hummm… Hummm… Hummm… Na mitologia americana, herói é Harry Truman, um sujeito simplório que, alçado à Presidência, consegue sair-se da incumbência. O candidato democrata de quatro anos atrás, John Kerry, foi ridicularizado porque falava francês. Não fosse a crise financeira, que compromete os republicanos e afunda a candidatura McCain, as qualidades de Obama poderiam lhe ser fatais.
A questão da rúcula produziria o mesmo efeito no Brasil? Nosso eleitorado, menos consolidado em suas crenças e preferências, tem comportamento mais imprevisível. É verdade que revela uma queda acentuada por candidatos de ficha suja. Essa, sim, é uma preferência nacional, mais uma vez comprovada na eleição municipal. No resto, o eleitorado brasileiro pode um dia votar num apreciador de churrasco, como o presidente Lula, e no outro optar por um vegetariano, como Fernando Gabeira. Quanto à rúcula propriamente dita, o jeito de testar seus efeitos entre nós seria incluí-la no questionário que, na atual campanha de São Paulo, convida o eleitor a examinar o candidato sob todos os ângulos: "É casado? Tem filhos? Come rúcula?".