Um jovem desequilibrado e uma sucessão de erros da polícia causam uma tragédia em Santo André, no ABC paulista
Clayton de Souza/AE |
DESEQUILIBRADO |
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No fim da tarde da última sexta-feira, o mais longo caso de cárcere privado do estado de São Paulo terminou de maneira trágica. Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, foi baleada na cabeça por seu ex-namorado, Lindemberg Fernandes Alves, de 22, depois de 100 horas e 38 minutos de tensão. O caso ocorreu em um bairro pobre da periferia de Santo André, no ABC paulista. O namoro dos dois havia começado cerca de três anos atrás. Há um mês, Lindemberg decidiu terminar a relação. Logo depois, no entanto, se arrependeu. Tentou reatar, mas Eloá não concordou. Segundo a irmã do rapaz, Francimar, ele começou então a ameaçar a ex-namorada de morte. Decidiu monitorar os seus passos e, diariamente, circulava de moto em frente ao colégio em que ela cursava o 1º ano do ensino médio, para saber se a menina estava acompanhada por outras pessoas. Colegas de Eloá ficaram amedrontados.
Na segunda-feira passada, Lindemberg teve uma atitude extrema. Arranjou um revólver – ainda não se sabe com quem – e foi para a casa de Eloá, às 13h30. Ela estava estudando com três colegas de escola – dois garotos e outra menina, Nayara Rodrigues da Silva. Todos foram feitos reféns, e Lindemberg proibiu qualquer pessoa de se aproximar do apartamento, que fica no 3º andar de um prédio de conjunto habitacional. A polícia cercou o edifício. No fim da noite de segunda, ele libertou os dois rapazes. Na noite de terça-feira, soltou também Nayara e ficou apenas com a ex-namorada. Nayara contou aos policiais que Lindemberg apresentava um comportamento extremamente violento. Mantinha Eloá amarrada, xingava, espancava e ameaçava a menina de morte. As negociações ficaram mais complicadas. Aparentemente inebriado pela fama que alcançou – o prédio passou a ser vigiado diuturnamente pela imprensa –, Lindemberg deu entrevistas por telefone a programas populares de televisão, exibiu a camisa de seu time de futebol na janela e demonstrou estar se divertindo com a situação.
Eduardo Anizelli/Folha Iimagem |
TIRO NO ROSTO
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Apesar desse quadro de insanidade, a Polícia Militar tomou uma decisão incompreensível: na manhã de quinta-feira, permitiu que Nayara, a moça que havia sido libertada, voltasse ao local do cárcere para ajudar a convencer Lindemberg a se entregar. A idéia revelou-se uma estultice. Quando ela chegou ao local, o rapaz simplesmente decidiu retomá-la como refém, agravando ainda mais o quadro e levando ao desespero o pai de Nayara, que não havia sido consultado pelos policiais sobre a volta da menina ao apartamento de Eloá. Os policiais não conseguem explicar por que tiveram uma idéia tão atrapalhada.
A sexta-feira amanheceu rodeada de expectativas. Desde o dia anterior, Lindemberg dava sinais de cansaço, o que poderia indicar o fim da agonia. Pela manhã, os policiais que atuavam no caso ouviram disparo dentro do apartamento. Logo depois, o rapaz falou por telefone com a polícia. Disse que tudo estava bem, mas se recusou a entregar-se. Dizia ter medo de ser baleado caso fizesse isso.
A polícia colocou uma equipe de plantão no apartamento vizinho ao de Eloá. Às 18 horas da sexta-feira, os agentes informaram ao comandante da operação ter ouvido um novo disparo. Imediatamente, receberam a ordem para invadir o local. Com explosivo plástico, arrombaram a porta e entraram. Pelo menos três disparos foram ouvidos. O que se viu na seqüência foi um cortejo de horrores. Primeiro surgiu Nayara, que caminhava sozinha, mas sangrava muito no rosto. Depois, uma pessoa que não podia ser identificada foi retirada em uma maca e seguiu direto para uma ambulância. Por fim, surgiu o seqüestrador algemado e com o rosto machucado. Aos poucos, os fatos começaram a ser esclarecidos. Eloá estava com uma bala alojada no cérebro e também havia sido atingida na virilha. Foi levada para a UTI em estado gravíssimo. Até a noite de sexta-feira, sua vida estava por um fio. Nayara foi alvejada no rosto, mas não corria risco de morte. Lindemberg foi para uma cela de delegacia.
VEJA ouviu quatro especialistas com experiência em negociação de reféns, que apontaram o que consideram ser erros cometidos pela polícia: 1) Permitir a reintrodução de uma vítima na cena de risco. "A devolução de Nayara afrontou os padrões mais básicos de comportamento do negociador em casos com refém", disse Rodrigo Pimentel, ex-comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da PM do Rio. "Era uma situação típica de seqüestrador emocionalmente instável. Eles deveriam tê-la colocado em contato apenas pelo telefone", afirma o coronel José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública. 2) Não isolar o seqüestrador, permitindo inclusive que ele desse entrevistas; e 3) Não cortar o fornecimento de água e luz no local. Segundo os especialistas, a polícia tem de criar necessidades para o criminoso, e não facilidades. A soma de tantos erros resultou numa tragédia de incompetência.