Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, outubro 15, 2008

Para onde vai o câmbio no Brasil? Antonio Corrêa de Lacerda*

Essa é uma das perguntas mais freqüentes em meio à turbulência global das últimas semanas. A administração da política cambial, assim como sua relação com a política monetária, é um dos grandes desafios da gestão macroeconômica de curto prazo. A volatilidade da taxa de câmbio tem crescido. Desde o piso em julho (de R$ 1,56/US$ 1,00) houve uma desvalorização de 40%, para mais de R$ 2,00, nos últimos dias, porém sem padrão definido. O Banco Central do Brasil (BC) vem atuando nos mercados à vista e futuro para amenizar as altas. No entanto, a volatilidade dos mercados continua provocando fortes oscilações cambiais.

No regime de câmbio flutuante puro a taxa de câmbio é aquela que equilibra o Balanço de Pagamentos. O Brasil, no entanto, a exemplo de muitos outros países, adotou há quase dez anos o regime de câmbio flutuante administrado (ou "sujo"). O câmbio é livre, mas com intervenções do BC no mercado diante de necessidade.

Os dados não apontam para um desequilíbrio no mercado físico cambial. Isso quer dizer que a entrada de capital externo supera as saídas. A atual pressão de desvalorização advém, fundamentalmente, das operações no mercado futuro. Há uma posição comprada de bancos e empresas estimada em US$ 50 bilhões em operações que foram realizadas apostando na continuidade de valorização do real. A desvalorização recente da moeda nacional tem provocado o anúncio, por parte de empresas, de perdas nessas operações.

Assim como o nível anterior da taxa de câmbio era insustentável, o overshooting atual também não é plausível. Isso porque o País diminuiu significativamente sua exposição e vulnerabilidade externas, com maiores reservas cambiais, eliminação da dívida interna dolarizada e redução da dívida externa pública. Há um déficit em conta corrente (1,5% do PIB), que tem sido financiado com capitais de longo prazo. A posição externa é credora (ativos superam passivos). Ao contrário do que ocorria em crises anteriores, a desvalorização do real faz diminuir a relação dívida pública/PIB (atualmente em 39%), importante indicador de risco país.

O BC deve continuar atuando no mercado para calibrar uma taxa de câmbio de referência. Passada a fase mais aguda da turbulência, a tendência é que a taxa de câmbio recue para um nível mais próximo dos R$ 2,00, a depender dos desdobramentos da crise internacional e do sucesso das atuações no mercado. No entanto, no curto prazo ainda deve prevalecer a forte volatilidade da taxa de câmbio, sem um padrão definido. Isso também depende muito dos desdobramentos da crise na economia mundial.

Diante de uma eventual e hipotética deterioração do quadro e de uma crise aguda, o Banco Central teria ainda outros instrumentos para evitar uma crise cambial.

O cenário mais provável é de uma desvalorização controlada, que seria compensada com a queda dos preços em dólares das commodities e demais preços no mercado internacional, aliviando as pressões diretas sobre a inflação (preços de alimentos, principalmente). Também amenizaria as pressões indiretas, decorrentes da indexação de contratos ao IGP-DI e ao IGP-M, que são fortemente influenciadas pela taxa de câmbio.

Uma menor pressão dos preços dos produtos transacionáveis externamente e uma desaceleração do crescimento da demanda, pela restrição de crédito e queda do nível de confiança do consumidor, vão facilitar o papel da política monetária, abrindo espaço para uma redução mais rápida da taxa de juros. Esse será um fator determinante para que o desenvolvimento do mercado interno possa sustentar um crescimento razoável da atividade.

No setor externo, cuja contribuição é hoje negativa em 2% para o PIB, o câmbio mais desvalorizado ampliaria a competitividade dos produtos manufaturados localmente em comparação com os importados. As exportações serão afetadas pelas quedas nos preços e pelo desaquecimento da demanda internacional. Isso vai exigir uma atitude mais ativa dos exportadores para ganhar market share nos diversificados mercados em que atuam mundo afora.

*Antonio Corrêa de Lacerda, professor doutor da PUC-SP, doutor em economia pela Unicamp, é economista-chefe da Siemens e autor, entre outros livros, de Crise e Oportunidade: O Brasil e o cenário internacional (Lazuli)

E-mail: aclacerda@pucsp.br

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