Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, outubro 15, 2008

O gato e o guizo Celso Ming

Ficou entendido que a crise veio por excesso de esperteza das instituições financeiras. Elas pintaram e bordaram e as entidades supervisoras deixaram que as coisas acontecessem sem cobrança, sem controle e, muitas vezes, sem transparência. Depois do arrombamento da porta, todos agora querem mais tranca.

Após cada grande crise, criam-se mecanismos de mais regulação e mais controle. Sobre isso, há mais problemas do que solução.

A questão central nesse capítulo consiste em saber o quê e como controlar. As instituições financeiras mais controladas são os bancos e, no entanto, foram eles que aprontaram a maior parte da lambança. Fingiram que estavam dentro dos conformes, mas, agora se sabe, alavancaram suas operações de crédito e de aplicação para a altura de 40 vezes seu patrimônio líquido, quando o limite técnico é alguma coisa entre 10 e 12 vezes. Capitalizar os bancos, essência dos pacotes da Inglaterra, da área do euro e dos Estados Unidos, significa reforçar-lhes a espinha dorsal para dar-lhes capacidade de suportar a carga dos ativos.

Mas já se viu que não basta enquadrar os bancos comerciais. Bancos de investimento (como o Lehman Brothers e o Bear Stearns) também são capazes de desestabilizar a economia mundial. O mesmo se pode dizer de companhias hipotecárias (como a dupla Fannie Mae e Freddie Mac) e seguradoras (como a AIG). E nada do que se viu ocorreria se não se contasse com a desastrada colaboração das agências de classificação de risco (especialmente a Moody?s, a Standard & Poor?s e a Fitch), que distribuíram certificados AAA para títulos que hoje são considerados "lixo tóxico". Até mesmo fundos de hedge são hoje considerados instrumentos de desestabilização. Aliás, o Long-Term Capital Management (LTCM), em 1998, provocou uma catástrofe que só não derreteu o sistema porque o Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos) interveio a tempo e obrigou os principais bancos americanos a absorver os prejuízos. Então, se for mesmo para regular tudo, vai ser preciso montar um gigantesco sistema de fiscalização e supervisão.

Nessa crise, não houve opção e os grandes bancos centrais extrapolaram em muito seu mandato. Forneceram empréstimos de liquidez a bancos de investimento, compraram carteiras de títulos privados e chegaram a injetar na veia de empresas recursos lastreados em commercial papers (promissórias de empresas). Enfim, está em questão a amplitude das funções dos bancos centrais.

E isso não resolve tudo porque já se viu que o mercado financeiro está globalizado e a crise pede instituições reguladoras globais. Dessa vez, ainda foi possível coordenar uma ação entre os principais governos e bancos centrais. Mas já se sabe que não se pode deixar um pedaço importante do sistema global sem regulação e supervisão. E aí fica mais difícil levar a tarefa a cabo porque não há instituições multilaterais em condições de xerifar o mercado financeiro em dimensões globalizadas. E, se alguma passasse a ter essas condições, teria de garantir mandato dos Estados nacionais para isso. Enfim, uma coisa é exigir que o gato circule com guizo. Outra, bem diferente, é amarrá-lo no rabo do bicho.

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