Medida provisória que libera bancos estatais para fazer compras sem limite tem equívocos e precisa ser reformada
O PRESIDENTE Luiz Inácio Lula da Silva tanto esconjurou a hipótese de editar um pacote anticrise, mas acabou produzindo o seu. Antes tivesse mantido a palavra. A medida provisória 443, que autoriza bancos estatais a comprarem qualquer tipo de empresa sem a devida prestação de contas, é uma mistura de equívocos e irresponsabilidade.
Com o pacote, o governo federal dá uma guinada perigosa no modo de abordar os efeitos do desarranjo global sobre o país. A autorização para que Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal adquiram participações ilimitadas em "instituições financeiras, públicas ou privadas" dissemina a impressão de que, para o governo, os problemas com as finanças domésticas são muito mais graves do que se supunha.
A mensagem colide com a frase "Não tem banco quebrando", dita pelo ministro Guido Mantega na entrevista em que anunciou as novas medidas. Choca-se também com a convicção de que, à diferença da situação nos EUA e na Europa, não há risco sistêmico sobre a malha bancária nacional. Até onde os dados permitem ver, as principais instituições financeiras do Brasil estão bem capitalizadas e correm risco baixo em suas operações.
Há um problema, já detectado, mas que afeta a periferia do sistema bancário. Instituições menores têm dificuldade para conseguir linhas de crédito de curtíssimo prazo. O Banco Central já está agindo para suprir essa necessidade emergencial. Em situações mais delicadas, a compra de carteiras de crédito dessas instituições por bancos maiores ou mesmo a transferência do controle são soluções plausíveis e inofensivas para o sistema.
A habilitação do Banco do Brasil para atuar nesse mercado de aquisições, desde que restritas ao segmento financeiro, é o único ponto defensável da medida provisória -embora, mesmo assim, devesse haver fiscalização, da parte do Congresso, sobre cada passo dado nessa direção. O BB tem ações negociadas em Bolsa e está submetido a um nível razoável de controle público.
A inclusão da Caixa Econômica Federal, banco 100% estatal, é bastante questionável. A criação de um braço da Caixa para comprar participações, sem limites, em empresas de quaisquer setores da economia não faz nenhum sentido e deveria ser derrubada no Congresso. A pretexto de ajudar o setor imobiliário, a intenção anunciada pelo governo é que a CEF se torne sócia de empreiteiras -remédio errado, decorrente de diagnóstico errado.
A construção civil debate-se contra a escassez de capital de giro: falta crédito, principalmente para iniciar novos projetos. A ação dos bancos estatais nessa área deveria limitar-se a assegurar um nível mínimo de empréstimos de curto prazo ao segmento, enquanto durar a fase aguda da crise. Outro eixo de atuação poderia ser financiar fusões e aquisições no segmento, onde atua grande número de empresas. Para isso já existe o BNDES. O guichê de ajuda obscura a construtoras proposto para a Caixa é, portanto, dispensável.
O governo Lula difunde a versão de que, ao editar a MP, inspirou-se no pacote de Gordon Brown, premiê britânico, que inaugurou a linha de estatizar parcialmente grandes bancos a fim de estancar o pânico. A peça brasileira mais se assemelha, contudo, ao cheque em branco solicitado pelo Tesouro dos EUA ao Congresso daquele país.
O Legislativo brasileiro não deveria endossar o texto sem determinar alterações fundamentais, em nome do interesse público.
Entrevista:O Estado inteligente
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