No meio da turbulência, o avião brasileiro está sem piloto. Não há perícia no comando da operação brasileira de enfrentamento da crise mundial. As medidas são erráticas, as interpretações são equivocadas, as declarações, lamentáveis. Crise como esta tem que ter comando único, diagnóstico correto, antecipação dos riscos. Algumas decisões estão aumentando os riscos futuros.
Um exemplo: o ministro da Fazenda e o ministro do Trabalho decidiram destinar dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador à agricultura familiar, para ter mais recursos para os grandes proprietários que não conseguem financiamento.
O FAT é um fundo compulsório com a destinação específica de garantir o segurodesemprego, que é usado como funding do BNDES, e que pode ficar deficitário até 2010. Não é o cofre inesgotável que o governo atual imagina. Este é o tipo de ajuste que desajusta, um remendo que agrava o problema.
A estratégia de enfrentar os efeitos da crise e neutralizálos tem que ser do Ministério da Fazenda, na parte de política econômica, e do Banco Central, na parte monetária. Se a Fazenda não se impõe, ou se manda esses sinais erráticos e essa interpretação superficial do que se passa, as ações se dispersam, e cada um acha que teve uma boa idéia. No próprio Ministério, o que se procura é “criatividade”, quando deveria ser consistência.
Quem revisita as declarações do ministro Guido Mantega, no mês de setembro, o pior da crise, se espanta com sua alienação.
No dia 10 ele convidou os brasileiros a continuar comprando e se endividando.
Exatamente três dias depois do socorro do governo dos Estados Unidos à Fannie Mae e à Freddie Mac e quando qualquer desavisado sabia que a crise se agravava.
Uma semana depois, no dia 15, garantiu que o Brasil era um “porto seguro” e apostou que o Brasil sairia fortalecido da crise, enquanto “outros” sairiam enfraquecidos. E garantiu que a saída do capital estrangeiro não afetaria a bolsa, que o dólar não tinha fôlego para subir. Só na última semana, a bolsa caiu 12% e o dólar subiu 20%, passando de R$ 2.
No dia 16, numa reunião no Palácio do Planalto, ele disse que todos ficassem tranqüilos e que já tinha tomado as medidas necessárias.
Naquele dia já faltava crédito no mercado brasileiro, problema que tem se agravado, tanto que o Banco Central já realizou leilão de dólares e fez duas mudanças na regulação dos compulsórios.
O presidente Lula teve apenas uma declaração em que demonstrou ter uma pálida idéia da gravidade da crise.
No mais, o presidente fica no ufanismo, na contabilidade das reservas, como se isso transformasse o Brasil numa fortaleza inatingível.
Numa entrevista que o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, deu recentemente ao jornalista Fareed Zakaria, na “Newsweek”, ele disse que teme a crise americana.
“O impacto será sentido não apenas no país, mas também na China, na Ásia, no mundo todo.” Apesar das reservas de mais de US$ 1 trilhão, a China está preocupada.
Não ocorreu a Wen Jiabao mandar o jornalista perguntar a Bush sobre a crise, nem dizer que o importante era salvar o Natal, ou mesmo afirmar que os bancos estatais supririam a falta de crédito.
A China cresce a 9,6% ao ano há 30 anos e, nos últimos dois anos, o ritmo atingiu dois dígitos. Jiabao disse ao jornalista que a crise do subprime foi seguida por sérias turbulências.
“Nós temos visto a queda da demanda externa, e a demanda chinesa não pode ser elevada significativamente no curto prazo.
Nós temos o risco de desaceleração.
Nós temos que reajustar nossa política macroeconômica.” Cada país tem suas próprias características, mas o que o primeiro-ministro chinês mostrou na entrevista é uma avaliação bem informada da crise e seus efeitos. O comércio China-Estados Unidos subiu de US$ 102 bilhões para US$ 302 bilhões nos últimos dez anos. Com um tamanho desses, é claro que o impacto é imenso. O Brasil tem um comércio diversificado, mas não adianta confiar na demanda chinesa para compensar a queda das vendas para os Estados Unidos, porque a China estará lidando com seu próprio choque.
Na China, o primeiro-ministro acha o seguinte: “As finanças dos Estados Unidos são intimamente ligadas às finanças chinesas. Se alguma coisa der errado no setor financeiro americano, nós ficaríamos preocupados sobre a segurança do capital chinês.” O país que tem o espantoso nível de poupança de 40% do PIB acha que seu sistema financeiro será afetado. O Brasil, tomador líquido de recursos do exterior, acha que os bancos estatais resolverão o problema.
Nos últimos dias, o que se vê é um festival de anúncios de que o BNDES resolverá todos os problemas, do pré-sal à exportação, passando pelo crédito que falta às empresas. Para piorar, Mantega fez nova declaração ameaçadora: disse que o novo passo será usar de forma “criativa” as reservas cambiais.
O economista José Roberto Mendonça de Barros, numa entrevista que me concedeu na Globonews, contou que as empresas estavam no meio de planos de investimento, após seis trimestres de crescimento, e viram o freio de mão ser puxado. Ele acha que o país precisa se ajustar. “E o tempo é curto”, disse ele. O presidente da Febraban, Fábio Barbosa, no mesmo programa, disse que, mesmo após a aprovação do pacote, a crise vai continuar afetando o Brasil, porque “se antes os bancos vinham ao Brasil oferecer dinheiro, hoje está interrompido o canal de transmissão dos recursos”.
Os dois consideram que, nas últimas semanas, o quadro econômico mundial e brasileiro mudou totalmente. Pelo visto, só o governo não viu.
COM LEONARDO ZANELLI
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