O Globo |
1/10/2008 |
São muitas as vítimas da crise que abala a economia dos Estados Unidos, mas a principal delas até o momento, sem dúvida, é o candidato republicano à Presidência, senador John McCain. Da semana em que a crise eclodiu até ontem, ele perdeu toda a dianteira que havia colocado sobre o adversário democrata, Barack Obama, depois da escolha de Sarah Palin para vice-presidente, e está agora até nove pontos percentuais atrás, numa das maiores distâncias entre os dois já detectada pelas pesquisas de opinião. As circunstâncias não apenas favorecem Obama, como McCain adiciona lenha ao próprio fogo que o está consumindo com sua atitude errática em relação ao pacote econômico, demonstrando estar sem estratégia. O adiamento da campanha presidencial para ir a Washington tratar das negociações do pacote foi um tiro que saiu pela culatra, e ele, que pretendia tirar proveito político da situação, acabou sendo suplantado por seus próprios companheiros de partido. Cabia a McCain, como expressão da expectativa de poder futuro do Partido Republicano, e secundariamente ao presidente George Bush, em fim de mandato e sem força política, liderar a bancada republicana para a aprovação do pacote de resgate do setor financeiro. Mas sua atitude dúbia, pressionado pela base republicana que exigia um tratamento mais ortodoxo para a crise, dentro dos parâmetros conservadores de livre mercado, fez com que expusesse a limitada influência que tem dentro de seu próprio partido, que o escolheu como candidato por uma maioria escassa. Ontem, o republicano já estava novamente fazendo campanha a favor da aprovação do pacote, em tom muito mais enfático do que jamais usara antes, reforçando a idéia de que está perdido dentro da crise. Ao se explicitar de maneira devastadora no sistema financeiro, a crise explicitou também a fragilidade da candidatura de McCain, que não pode ser de continuidade - diante da maciça rejeição do governo Bush pela sociedade -, mas também não pode ser de oposição por ser do Partido Republicano. Ao mesmo tempo, os trunfos que a escolha de Sarah Palin para vice trouxe para a candidatura, revitalizando-a, já não são de serventia nesta altura da campanha, quando a crise econômica suplanta qualquer preocupação, e torna irrelevantes para o debate político os valores tradicionais que ela defende, que foram responsáveis pelo fortalecimento inicial dessa candidatura conservadora. O debate de amanhã entre Sarah Palin e o vice democrata Joe Biden tem tudo para colocar uma pá de cal na eventual ajuda que a ex-governadora do Alasca pudesse trazer para a chapa republicana. Se ela não sair do debate, como temem os republicanos, atropelada por Biden, já será um lucro. O que pode ser decisivo é a atitude do candidato a vice de Obama. Se se colocar com atitude arrogante diante da fragilidade da adversária, se tentar humilhá-la, ressaltando seu desconhecimento de assuntos como política externa, poderá torná-la vítima da elitizada política democrata. Mas se deixar que o despreparo de Palin se evidencie por si mesmo, tudo leva a crer que esse único debate entre vices sirva para enterrar de vez a utilidade que sua escolha teve no fortalecimento temporário de McCain. As pesquisas mostram claramente que a decisão de adiar a campanha presidencial foi um erro estratégico de McCain, cuja perda de apoio popular já está se refletindo no número de votos de delegados. O mapa eleitoral que o marqueteiro Dick Morris divulgou ontem já mostra que estados basicamente republicanos como Louisiana, Tennessee, Virgínia Ocidental, Arizona e Carolina do Norte passaram a ser dúvidas, alguns deles podendo inclinar-se para os democratas. E estados como Carolina do Sul e Geórgia estão sendo disputados em igualdade de condições. No momento, pelo mapa de Morris - que apóia McCain - o candidato democrata Barack Obama tem 355 delegados contra apenas 133 do republicano, existindo ainda 50 votos pendentes. Tudo indica que esse primeiro pacote vai ser aprovado de alguma forma ainda esta semana no Congresso, em Washington, que sentiu a reação negativa dos mercados internacionais com a rejeição de segunda-feira. A gestão das negociações para a aprovação das medidas, que foi inicialmente muito mal feita pelo governo, está sendo reforçada, e há mesmo um trabalho dentro do próprio Partido Democrata para mudar o voto de alguns dos 95 deputados que votaram contra o pacote. Também não existe uma oposição muito organizada, com cada deputado tratando de seu caso particular e vendo a reação de seus eleitores nos distritos onde disputarão um novo mandato em novembro. Há uma correlação direta entre a próxima eleição e a posição dos deputados. Dos 205 que votaram a favor do pacote, apenas sete, entre democratas e republicanos, têm uma reeleição difícil pela frente. Também a opinião pública, que não foi suficientemente informada sobre os detalhes do pacote e teve uma reação quase irracional na primeira votação, já dá sinais de que está começando a perceber o tamanho da enrascada, e que, queira ou não, as conseqüências no seu dia-a-dia serão inevitáveis se alguma coisa não for feita. A tragédia para McCain é que a maioria da população americana identifica Obama como mais habilitado para tratar da crise econômica do que ele. Com algumas alterações, como a ampliação do limite de dinheiro do governo que entrará como um seguro, o pacote será reapresentado a partir de hoje, e há boas chances de que seja aprovado ainda esta semana. Mas este será apenas um primeiro passo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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