O Estado de S. Paulo |
2/10/2008 |
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está certo: o Brasil nunca esteve tão bem preparado para enfrentar uma crise internacional. Só faltou completar: o País estaria à beira de mais uma catástrofe se o governo tivesse aplicado as políticas defendidas por economistas do PT e pelos chamados desenvolvimentistas. Lula se reuniu ontem com os ministros do Grupo de Coordenação Política e, segundo uma fonte, a avaliação da crise terminou com um toque de otimismo. O Brasil, concluíram os participantes, dispõe de grande volume de reservas cambiais, suas contas públicas estão em ordem, com o superávit primário pretendido, as exportações se mantêm robustas, o mercado interno está vigoroso e as instituições financeiras são fortes. Se tivesse ouvido os “desenvolvimentistas”, o presidente Lula teria há muito tempo eliminado ou reduzido o superávit primário, um sacrifício imposto ao País, segundo a companheirada, apenas para pagar os juros cobrados pelos banqueiros. Melhor seria usar esse dinheiro para outros fins. E a relação dívida/PIB? Não importa: essa é uma preocupação tipicamente neoliberal, tanto quanto a atenção ao equilíbrio das contas públicas. Não se espantem: para o keynesianismo de botequim (pobre Keynes), equilíbrio fiscal é um pecado, assim como a preocupação com as despesas de pessoal e outros itens do custeio. Bom mesmo é contratar, mesmo que isso não eleve a qualidade e a eficiência do serviço. Antes dessa reunião o presidente já havia mencionado, mais de uma vez, a solidez do sistema bancário. Mas a saúde dos bancos brasileiros é explicável, em boa parte, pela consolidação operada a partir da crise dos anos 90, num processo facilitado pelo Proer. O PT se opôs à intervenção, como se fosse apenas uma enorme bandalheira. O presidente Lula e pelo menos alguns de seus companheiros parecem haver mudado de idéia. Passaram a entender o que é uma crise sistêmica e chegaram a apontar o Proer como exemplo a ser seguido no Primeiro Mundo. Bom exemplo, também, é a regulamentação do setor financeiro, no Brasil, muito mais severa que a dos Estados Unidos e até de alguns países da Europa. No Primeiro Mundo, segundo os “desenvolvimentistas”, as autoridades têm resistido à imposição de regras ao setor financeiro por causa de sua ideologia neoliberal. Mas não é neoliberal, no Brasil, quem regulamenta e supervisiona o sistema? O bom volume de exportações, mencionado também na reunião de ontem, não tem muita relação com as políticas defendidas pelos companheiros. Grandes estrelas do comércio exterior, como Vale do Rio do Doce, Companhia Siderúrgica Nacional e Embraer, são empresas privatizadas. Todas ganharam produtividade e poder de competição quanto saíram do controle do governo. Outras indústrias ganharam presença no mercado internacional porque tiveram de se modernizar para se adaptar a uma concorrência ampla. Algumas começaram a investir em novas plantas, equipamentos e processos antes da abertura econômica e se anteciparam à mudança. Outras começaram pouco mais tarde. Teriam mudado tanto se tivessem continuado a operar numa economia superprotegida? Certamente, não, e a indústria seria muito menos eficiente e menos capaz de fabricar produtos de qualidade se as políticas defendidas pela companheirada houvessem prevalecido. Mas o superávit comercial tem sido sustentado principalmente pelo agronegócio, abominado pelos companheiros do Ministério do Desenvolvimento Agrário, pelos amigões do MST, pelos defensores das salvaguardas especiais pretendidas pela Índia e pelos gênios que consideram o francês José Bové um aliado dos produtores brasileiros. Se tivesse dado mais atenção a esses conselheiros, o presidente Lula teria provavelmente destruído o agronegócio. Esses mesmos companheiros teriam destruído a Embrapa, se não fossem contidos, e ainda batalham para controlar a pesquisa tecnológica. O otimismo do presidente e dos ministros é um tanto exagerado. A situação fiscal não é tão sólida, porque o superávit primário tem dependido excessivamente do aumento da receita. Além disso, há enormes despesas com salários já fixadas para os próximos anos. Quanto ao setor externo, há o problema de um crescente buraco na conta corrente do balanço de pagamentos. É hora de pensar no assunto. De modo geral, no entanto, a crise parece menos assustadora, hoje, do que seria noutros tempos. “Fizemos a lição”, disse o presidente, recitando um bordão típico dos chamados neoliberais. Será que a turma do PSOL está certa sobre Lula?
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Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, outubro 02, 2008
Luiz Inácio, um neoliberal? - Rolf Kuntz
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