Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 12, 2008

Lições da crise Suely Caldas*

Acrise financeira, que se espalha mundo afora, tem provocado ações e decisões de países inéditas, surpreendentes e que serão registradas na História como paradigma de um movimento de união e conciliação que a humanidade não via desde o fim da 2ª Guerra Mundial. Quem diria que EUA e China, históricos inimigos ideológicos, concordariam em tomar a mesma decisão de política econômica, com diferença de poucas horas, sem antes se reunirem, afastarem desconfianças e negociarem em repetidas discussões e por longo tempo? Foi exatamente o que aconteceu na quarta-feira, quando oito países - EUA, Inglaterra, Canadá, Suécia, Suíça, Emirados Árabes, Austrália e China -, mais Hong Kong, concordaram em reduzir suas taxas de juros para tentar conter a crise. Inédita também foi a rapidez com que se consumou a ação, articulada e coordenada pelo Federal Reserve, o banco central dos EUA, e pelo Banco Central Europeu.

Foi preciso acontecer uma hecatombe, nascida em país rico e propagada no mundo pela globalização, para conciliar líderes mundiais e fazê-los esquecer divergências que parecem inconciliáveis em outros fóruns. Quem dera essa repentina aptidão para o entendimento fosse estendida ao comércio mundial, en que predominam a intolerância, a discórdia e a imposição de interesses contraditórios, que podem ser superados, mas a intransigência não permite. Seria um bom momento para países ricos, emergentes e pobres acordarem e retomarem a negociação sobre liberalização do comércio da Rodada Doha, que se arrasta por mais de sete anos sem progresso, enquanto o protecionismo comercial se espalha pelo mundo.

A ação coordenada para reduzir juros deu a partida para uma série de reuniões multilaterais - na sexta-feira, entre ministros das finanças e presidentes dos bancos centrais (BCs) do grupo de países que compõem o G7 e ontem, ampliada para o G20, atualmente presidido pelo Brasil. De repente os países ricos - onde a crise financeira mostra sua cara mais feia - despertaram, agiram e, desta vez, ampliaram a conversa, agregando os emergentes. Afinal, o que está acontecendo com o mundo?

O momento agora é de apagar o incêndio, salvar os náufragos. A reflexão sobre o que originou a hecatombe, os erros, os exageros e a ganância por lucros se dará quando o mercado financeiro se acalmar, recolher os cacos que sobrarem, tentar corrigir desacertos e encontrar um novo rumo. Mas é impossível ignorar que, da mesma forma que o homem está depredando o planeta, acabando com florestas e recursos ambientais, também foi pródigo em abusar, exagerar, distanciar-se da economia real e dar uma exuberância incabível ao mercado financeiro. A rica imaginação dos agentes alimentou a criação e multiplicação dos chamados derivativos, uma profusão de papéis lastreados em créditos e débitos cuja reprodução fugiu ao controle e prosperou na ganância do lucro rápido. Os derivativos são positivos, impulsionam a movimentação do dinheiro na economia e certamente vão sobreviver. Condenável é seu uso exagerado e ilimitado, com o qual restou perdido o sentido de financiar a economia real, substituindo-o pela ganância de multiplicar dinheiro e lucro.

Os bancos centrais falharam ao permitir essa proliferação de papéis sem preocupação em ordenar seu uso, enquadrá-los em regras, impor limites. E, sobretudo, falharam ao não fiscalizar esse novo mercado, não acompanhar sua rápida evolução. Simplesmente permitiram seu crescimento sem se preocupar com os desdobramentos. Os economistas dizem que os bancos centrais costumam agir antecipadamente, que suas decisões estão sempre antevendo o futuro. Se assim é, nessa crise eles falharam feio.

Não só eles. Falharam também os chamados organismos internacionais, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco para Compensação Internacional (BIS, o banco central de todos os BCs), que não conseguiram captar o que acontecia nos mercados financeiros porque estão despreparados e seus métodos de ação estão desatualizados, defasados. Com o Acordo Basiléia 2, o BIS tem atuado sobre os bancos comerciais, mas deixou livres os bancos de investimento, que protagonizaram o enredo da crise. O FMI, nem isso. Nunca age preventivamente.

A verdade é que, enquanto o mercado financeiro e a globalização correm no ritmo veloz das gazelas, os organismos internacionais marcham a passos de cágado. Precisam ser reformulados para atuar em consonância com os novos tempos.

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-RJ (sucaldas@terra.com.br)

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