A CRISE FINANCEIRA internacional tem muitos teatros de operação, pois, na verdade, são várias crises. Originalmente havia as hipotecas "subprime".
Mas a concordata da Lehman Brothers, reconhecidamente um ponto de inflexão neste enredo, parece apontar para uma "outra" crise no terreno regulatório, ou da governança no sistema financeiro. Neste assunto, os diagnósticos devem ser precisos para que a energia não se perca em grandes narrativas e generalidades ideológicas.
Um dos temas cruciais nessa linha, e um que pode ter distorcido dramaticamente tanto a propensão a correr riscos quanto o alinhamento intertemporal de acionistas e administradores, é o que dá título a este artigo.
Em termos simplificados, a lei americana institui que a responsabilidade dos acionistas de um banco pelos prejuízos causados pela sua quebra só vai até o valor das suas ações. E a dos administradores não alcança os bens pessoais desses senhores, exceto em casos de fraude. Neste regime, cabe perguntar se os incentivos a correr riscos estão propriamente alinhados.
Em condições normais, a experiência parece mostrar que sim, mas a pergunta é sobre a postura de administradores e acionistas diante de "riscos catastróficos", aqueles que se referem a eventos remotos, mas que, uma vez ocorrendo, quebram a instituição.
É lícito perguntar se o regime de responsabilidade limitada não cria uma certa displicência com relação a esses riscos, pois, se se materializarem, os prejuízos de administradores e acionistas estão limitados, mas os danos para a sociedade da quebra de um banco vão bem além e acabam se transformando em custos para o contribuinte.
O fato é que, aqui no Brasil é diferente. A lei que regula a intervenção e liqüidação de bancos (lei 6024/74) determina que, no momento da intervenção, todos os bens dos administradores fiquem indisponíveis para servir de ressarcimento em caso de prejuízo. Posteriormente, no âmbito do Proer (lei 9447/97), esse dispositivo foi estendido de modo a alcançar os bens dos acionistas controladores, e foram introduzidas responsabilidades para os auditores. No Brasil, portanto, não há responsabilidade limitada no sistema financeiro.
Nos EUA, sempre se considerou que a responsabilidade limitada é uma salvaguarda essencial para o empreendedor. Pode ser. Mas cabe perguntar se isso deve valer para bancos do mesmo jeito que vale para as empresas não-financeiras.
Entrevista:O Estado inteligente
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