Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 04, 2008

Auto-Retrato Nilton Rennó


O engenheiro brasileiro Nilton Rennó, de 48 anos, é chefe da equipe de pesquisadores da Nasa que identificou a presença de água em Marte. Rennó, que vive nos Estados Unidos desde 1986, é professor da Universidade de Michigan e está na missão da sonda Phoenix desde o início, em 2001. Ele conversou com o repórter Leandro Narloch.

Como o senhor foi parar na Nasa?
Na década de 80, vim para os Estados Unidos para fazer doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). Decidi cursar ciências atmosféricas porque o meu hobby era voar. Pensava em estudar a atmosfera para ganhar campeonatos de vôo a vela. Aos poucos, virei cientista planetário. Quando a Nasa anunciou a oportunidade de estudar Marte, eu me candidatei. Agora tenho dois hobbies: Marte e o planador.

A água encontrada em Marte é líquida a mais de 50 graus negativos. O que significa?
Já se sabia que, abaixo de alguns centímetros de poeira assentada, a superfície marciana é composta de gelo. Nós conseguimos detectar a presença de perclorato de magnésio, um sal que, em contato com o gelo, forma uma solução líquida, um gel, a partir de 70 graus abaixo de zero. No verão do planeta, esse sal faz a camada mais superficial do gelo ficar pastosa.

Como sabemos disso?
Temos evidências da existência de gel no ponto onde a sonda arranhou o solo ao pousar. Isso ainda não foi anunciado oficialmente, mas a descoberta é irrefutável. O motor da Phoenix comprimiu e esquentou a superfície a ponto de derreter um pouco do gelo, esparramando uma lama salgada pela sonda. Essa lama absorve o vapor da atmosfera e forma gotas de água. Procuramos essas imagens e achamos evidências superclaras.

Outros cientistas da Phoenix questionaram a descoberta de água em Marte. Por que a divergência?
Isso decorre da diferença de métodos e dos locais que analisamos. A outra equipe tentou encontrar água medindo a condutividade elétrica do solo. Como um solo molhado é melhor condutor de eletricidade do que um solo seco, a equipe finca agulhas e mede a condutividade entre elas. O problema é que eles analisaram uma área exposta ao sol e por isso não verificaram a existência de água. A minha descoberta de água entre 1 e 20 centímetros de profundidade é um fato. Foi aceita pela comunidade científica em palestras que demos na Europa e aqui nos Estados Unidos. Mas há realmente discussões dentro da equipe. Nem todo mundo concorda com nossa descoberta. É preciso ter paciência com os vários grupos de cientistas da Nasa.

Existe muita ciumeira entre os cientistas da Nasa?
Como são dezenas de pesquisadores trabalhando com equipes diferentes, é necessário lidar com cuidado com os co-pesquisadores. A comunidade científica já entendeu a descoberta de água em Marte. Mas quem tem de dar autorização para publicá-la é o chefe da missão Phoenix. Se ele ainda não fez isso, é porque precisa evitar atritos com outros pesquisadores.

Quando vamos encontrar vida fora da Terra?
Não deve demorar muito, já que a probabilidade é altíssima. Mais cedo ou mais tarde, vamos achar bactérias ou o rastro delas. As bactérias começaram a surgir logo no início da história da Terra, há mais de 3 bilhões de anos. É difícil imaginar que, em todo esse tempo, outros lugares não tenham tido condições de abrigar alguma forma de vida. Talvez a gente encontre vida em 2010, com a próxima sonda que irá a Marte, a Mars Science Laboratory. Se a principal missão da Phoenix era descobrir água, a MSL é um laboratório de microbiologia. Os pesquisadores costumam não comentar isso, mas o objetivo das sondas é achar vida fora da Terra.

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