Greenspan reinou quase absolutamente de 1987 a 2006. Ninguém foi, nesse tempo, mais ouvido e mais xeretado do que ele. Em Wall Street houve quem se orgulhasse de ser especialista em meteorologia financeira baseada na maneira como ele carregava sua pasta marrom.
E, não dá para negar, Greenspan não era de meter cabresto nos mercados. Preferia deixar que fizessem suas escolhas e que fossem cobrados por isso depois. E deixou que a cobra crescesse dentro do quarto das crianças. Mas essas críticas correm o risco de ficar no velho escapismo de procurar culpado em vez de solução.
Não dá para simplificar, não dá para tascar que Greenspan não passe de adepto da permissividade financeira. Três anos antes da eclosão da crise da Nasdaq, no ano 2000, denunciou exaustivamente o que então chamou de "exuberância irracional dos mercados". E, em 1998, teve atuação decisiva na neutralização da ameaça de crise sistêmica (quebra em cadeia de instituições financeiras), quando convocou os banqueiros para assumir o rombo provocado por um único fundo de hedge, o Long-Term Capital Management (LTCM). Nesses casos, não foi um rústico praticante do laissez-faire.
Mas, à parte graves erros de pilotagem, não dá para cobrar de Greenspan o que ele não podia entregar. O próprio sistema financeiro limita a capacidade de supervisão dos bancos centrais. Um grande número de instituições até agora não consideradas financeiras vem atuando no mercado não como figurantes ou atores coadjuvantes, mas com enormes responsabilidades, sem que os bancos centrais ou quaisquer outros organismos de controle se responsabilizem pela vigilância de suas atividades.
Até agora, por exemplo, bancos de investimento, categoria a que pertencem entidades afundadas como o Bear Stearns e o Lehman Brothers, não são considerados instituições bancárias nos Estados Unidos e não estão sob a égide do Fed. O mesmo pode-se dizer das seguradoras de crédito, encarregadas de dar cobertura a ativos que eventualmente falhassem, mas que, no meio da crise, não puderam garantir coisa nenhuma.
As agências de classificação de risco (agências de rating) estão desmoralizadas. Ao longo de todos esses anos, emitiram certificados AAA para um vasto número de títulos de dívida que agora são denominados "lixo tóxico" ou "ativos podres" pelo próprio Tesouro e pelo Fed. Ou seja, Standard & Poor?s, Moody?s, Fitch e outras negaram fogo quando mais delas se precisou. No entanto, não se pode dizer que o mercado deva prescindir de um serviço sério de análise de risco. Mais do que isso, é preciso que, em nome do Estado, outra instituição supervisione essa função e impeça as práticas incestuosas que prevaleceram nessa atividade, como a de, ao mesmo tempo, serem financiadas pelos bancos e atenderem aos interesses imediatos dos próprios bancos.
Enfim, Greenspan não errou mais do que está errado o sistema.