Antes de conhecidos os resultados do primeiro turno dessas municipais as quatro perguntas de sempre já mobilizavam o mundo político que, evidentemente, fornece as respostas de modo a compatibilizá-las com o interesse dos respectivos grupos.
Desta vez, porém, no primeiro momento houve um inusitado consenso a respeito da derrota de uma tese: a da transferência automática de votos do político popular para seus candidatos, quaisquer que sejam eles, independentemente de seus atributos pessoais.
O prejuízo, claro, foi maior para quem alimentou com mais vigor a teoria, superestimou o tamanho das próprias pernas e ousou passos além de suas possibilidades. Assim, o presidente Luiz Inácio da Silva e o governador de Minas, Aécio Neves, conseguiram construir para si fracassos desnecessários. E até inexistentes do ponto de vista objetivo.
Não tivessem inflado a expectativa dos próprios poderes, não estariam hoje ambos encabeçando o rol dos perdedores.
Tanto fomentaram o mito, que acabaram vítimas, ao inverso, da profecia que cumpre a si mesma.
O presidente Lula celebrou sua capacidade de influência sobre a cabeça do eleitor por toda parte e baixou a guarda: pregou a vitória de Marta Suplicy no primeiro turno, jogou-se de cabeça, tronco e membros na eleição de Luiz Marinho, desfilou de peito aberto em Natal tentando alterar uma preferência inalterável do adversário, não organizou sua enorme "base" partidária, preferiu confiar no improviso da intuição, na força da popularidade e, com isso, em alguns lugares transformou vitórias em derrotas.
O Rio, por exemplo. O candidato de seu fidelíssimo aliado, o governador Sérgio Cabral, chegou na frente, mas o presidente não pôde capitalizar o resultado. Tinha todos, em tese, ao seu lado, e marcadamente não teve ninguém: o PT ficou de fora, bem como Marcelo Crivella, presenteado até com obras do PAC.
Todo o carnaval feito em torno da história da transferência teve um péssimo efeito sobre a pré-candidatura da ministra Dilma Rousseff. Até agora escorada apenas na mitologia da transposição de votos, sua consistência balança junto com a teoria. E para quê? Por um prazer fortuito de ser visto como o tal.
Em Belo Horizonte deu-se quase igual. O candidato da aliança entre Aécio e Fernando Pimentel, do PT, passou para o segundo turno, mas pareceu ter perdido a eleição. Porque se imaginava que um governador com 86% de aprovação popular junto de um prefeito com 76% de avaliação positiva fossem capazes de eleger com louvor e glamour no primeiro turno até um poste da Avenida Afonso Pena.
E talvez fossem mesmo, se não tivessem tratado o eleitor como fava contada e desfilado com ares de majestades. O desempenho de Márcio Lacerda não abala a opinião do mineiro sobre Aécio e Pimentel.
Mas mostra que é preciso levar em conta o discernimento do público e não menosprezar a capacidade do adversário.
Se é para oferecer um prato feito, que seja no mínimo bem feito, preparado com requinte, a partir de ingredientes de qualidade e ótimo sabor.
Quando o produto não é escolhido com rigor, aumenta a chance de aparecer outro mais atraente e adeus fidelidade. Não há popularidade pessoal que sustente a transferência por si muito menos a qualquer custo.
No meio, há a vontade do eleitor, que pode não ser em sua maioria gente muito politizada nem bem informada, mas com toda certeza tem juízo suficiente para perceber quando está prestes a fazer o papel de massa de manobra.
Nesse caso, o perigo é a reação ao molde da esperteza: vira bicho e come o dono.
Números absolutos
Nesta, como em outras eleições, as pesquisas são postas sob suspeita por causa dos exemplos de resultados diferentes dos previstos. Desde que as consultas passaram a ser vistas como legítimos oráculos de Delfos, não há uma rodada em que não se conclua que os "institutos erraram feio".
Eles dão qualquer explicação técnica, "provam" por x mais y multiplicado por 26 ao quadrado que estava tudo previsto dentro da "margem de erro" e logo as pesquisas já recuperam seu lugar de parâmetro absoluto de medição e comportamento eleitorais.
Como eleição é resultado de expressão de vontade humana, evidentemente que os números em algum momento saem perdendo, mas esse tipo de nuance atrapalha a simplificação do raciocínio e, portanto, fica mais fácil se revoltar contra os porcentuais.
Deixemos assim. Pelo menos até que se resolva discutir o assunto sob a ótica levantada pelo candidato do PV à Prefeitura do Rio, Fernando Gabeira, e questionar a ética dos institutos que prestam serviços também a partidos e não dão publicidade ao fato.