Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 18, 2008

A difícil estabilização dos mercados

SALVOS, MAS E AGORA?

Diz-se que os economistas previram cinco das
três últimas recessões. Espera-se que estejam
exagerando também quanto às próximas


André Petry, de Nova York

Evan Vucci/AP
TROPA DE CHOQUE Bush, com os ministros da Fazenda dos países mais ricos
do mundo: "Resposta global"

A cronologia foi de pânico mundial nos dois lados do Atlântico. Em Washington, no sábado 11, o presidente George W. Bush encontrou-se pela manhã com os ministros da Fazenda dos sete países mais ricos do mundo. "Estamos diante de uma crise global que requer uma firme resposta global", disse Bush, cenho eternamente franzido. No fim da tarde, ele apareceu, desta vez de surpresa, no encontro das autoridades econômicas do G-20, que reúne os países emergentes, Brasil incluído. Queria dizer que nenhuma "resposta global" resultaria numa sangria de capital dos emergentes. No mesmo prédio, acabara a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), cujo diretor-gerente, Dominique Strauss-Kahn, saiu dizendo que o sistema financeiro mundial estava "à beira de um derretimento sistêmico". Clima de pânico. No domingo, em Paris, o presidente Nicolas Sarkozy recebeu seus colegas europeus. "Precisamos de medidas concretas, precisamos de unidade", conclamou. Dos ricos aos emergentes, de Washington a Paris, a tropa de choque mundial corria para salvar o sistema financeiro despejando a cifra colossal de mais de 1 trilhão de dólares nos bancos que se desmilingüiam. Era preciso evitar que as bolsas, ao reabrir na segunda-feira, reprisassem o espetáculo tétrico da semana anterior, quando começaram a cair num abismo sem fundo.

Deu certo. Na segunda-feira, as bolsas ficaram eufóricas. Em São Paulo, alta de 14,7%. Em Nova York, 11,6%. Em Paris, 11,2%. Em Frankfurt, 11,4%. Em Londres, 8,3%. Enquanto as bolsas exibiam em público quanto o mundo financeiro virara uma coisa só, o secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, encarava em privado um sinal dramático dessa unidade planetária. Diante dos nove maiores banqueiros dos Estados Unidos, convocados às pressas para uma reunião em Washington, Paulson disse que o governo americano estava comprando parte de seus bancos – compulsoriamente. Houve banqueiro achando que era uma boa idéia (J.P. Morgan) e banqueiro reagindo duramente à venda forçada (Wells Fargo). No fim, querendo ou não, todos assinaram a venda. É a mais cara nacionalização bancária da história, na qual o governo americano vai desembolsar 250 bilhões de dólares para comprar ações de milhares de bancos, a começar pelos nove gigantes. Desde que a Europa, com a Inglaterra à frente, decidira comprar ações de seus bancos, os EUA não tinham outra opção senão tomar o mesmo caminho, sob pena de deixar seus bancos na chuva. Coisas do mundo globalizado.

Fotos Dominique Faget/AFP e Seth Perlman/AP

DE OLHO NO FUTURO Gordon Brown, o "Flash Gordon", quer "nova arquitetura"
e o americano já abastece por menos: a recessão é evitável?

Tão globalizado que, no dia seguinte, quando a solução para a crise financeira estava finalmente encaminhada, as bolsas voltaram a cair. Motivo? O temor de uma recessão global severa. Os economistas previram cinco das três últimas recessões. Espera-se que estejam exagerando também quanto às próximas. Mas os sinais de que a economia real sentiu o tranco da crise começaram a aparecer. A produção industrial dos EUA caiu 2,8% no mês passado. É a maior queda desde 1974. O consumidor americano, conhecido gastador, está começando a conter os gastos. "É um dado realmente crítico", disse a VEJA o ministro do Comércio americano, Carlos Gutierrez. Crítico porque 70% da economia americana corresponde aos gastos de consumo. Já caiu o preço da gasolina, dos automóveis, do vestuário. Se a economia americana pára, a economia mundial tende a parar – a menos que a Ásia, com a China na comissão de frente, siga de vento em popa, evitando assim uma recessão mundial. Tudo evidencia, para o bem ou para o mal, que a conexão financeira do planeta chegou a tal dimensão que nada se restringe às fronteiras nacionais. A crise é global. A prosperidade é global. É preciso, portanto, pensar global.

"Agora, temos de criar a arquitetura financeira adequada para a era global", disse o primeiro-ministro da Inglaterra, Gordon Brown, festejado como "Flash Gordon", o homem que salvou o mundo do colapso financeiro ao assinar um cheque de 90 bilhões de dólares para comprar parte dos bancos ingleses. A atual arquitetura financeira nasceu na conferência realizada na cidade de Bretton Woods, em New Hampshire, que reuniu representantes de 44 países em julho de 1944. A idéia era evitar a repetição do tumulto monetário do período entre os dois conflitos mundiais e estabelecer as bases para a reconstrução da Europa devastada pela guerra. Para tanto, a conferência criou um novo sistema monetário internacional, já sob a influência hegemônica dos Estados Unidos. Depois de três semanas, a reunião consolidou a supremacia do dólar americano sobre a libra inglesa, criou mecanismos para estabilizar o câmbio, evitando as oscilações selvagens de antes, e definiu os princípios do livre-comércio. Durou até 1971, quando o câmbio fixo explodiu e se adotou o flutuante. Em Bretton Woods, gestou-se o embrião do capitalismo moderno. Germinou ali a primeira semente do que hoje é a globalização. Mas a crise atual mostrou que, em alguma medida, o que foi construído há mais de meio século precisa de retoques. A questão é saber quais.

Bettmann/Corbis/Latin Stock
MAS ISSO FOI ANTES Reunião de Bretton Woods, em 1944: agora se podia começar por Doha, não?

Uma alternativa é concluir o que já se começou – como a Rodada Doha, promovida pela Organização Mundial do Comércio (OMC), filhote, aliás, das instituições de Bretton Woods, nascida da costela do antigo Gatt. Doha é o meio mais ágil para desobstruir o comércio mundial, o que injetaria uns 100 bilhões de dólares na economia do planeta, e poderia ser o pontapé inicial de uma reforma global. "A começar por uma mudança no grupo de comando, que hoje é o G-7", disse a VEJA Barry Eichengreen, ex-conselheiro do FMI e professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Quem seriam os novos caciques da aldeia? "Talvez Estados Unidos, União Européia, Japão e o Bric", diz ele, usando o acrônimo de Brasil, Rússia, Índia e China. É uma ilusão infantil pensar numa "autoridade monetária mundial", mas é preciso incorporar ao sistema mundial as lições da crise. "O sistema está opaco devido à assimetria de informação", disse a VEJA o professor Arthur Segel, da Universidade Harvard. "Precisamos de alguma regulação de capital e mais transparência no jogo", diz ele, que tem vasta experiência no mercado imobiliário, cuja explosão detonou a atual crise. A idéia de uma Bretton Woods 2.0 aparece a cada tumulto global. Há dez anos, no rescaldo da crise da Ásia, o então primeiro-ministro Tony Blair dizia a mesma coisa que diz hoje seu sucessor, Gordon Brown. Na semana passada, Sarkozy voltou a pedir uma cúpula mundial – já em novembro – para discutir o assunto. Existe um enorme ceticismo quanto à funcionalidade de uma ONU das finanças, mas é bom que os poderosos do mundo se mexam.

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