Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 19, 2008

Daniel Piza

Cassino

Sinopse


A volatilidade começa na psique. Há quem acredite que, como as crises são inerentes ao capitalismo, a atual é apenas mais uma e brevemente estaremos de volta à festa da liquidez global, propiciada pelo admirável mundo novo da economia digital. Hoje uns perdem e outros ganham; amanhã isso recomeça naturalmente. Não há nada de errado no fato de um bando de nerds com gel no cabelo dar notas aos países como se estivessem no Second Life. A depressão de hoje é apenas a condição para a euforia de amanhã. Para outros, a depressão agora veio para ficar, salvo surtos de euforia. Assim como a ocupação do Iraque iria terminar como a Guerra do Vietnã, o neoliberalismo de Bush II só poderia culminar no fim do capitalismo e na obsolescência da América.

Só que o futuro é sempre mais complexo que as explicações. A crise é séria, e ninguém sabe se e quanto vai mudar o sistema econômico. O que se sabe é que ela é diferente das crises financeiras dos últimos dez anos, antes de mais nada porque nascida de uma bolha imobiliária, que afeta o crédito de muita gente. EUA e Europa estão em desaceleração forte, ao passo que os emergentes já não contam com as altas de preços internacionais. E a discussão sobre instrumentos como os derivativos, acessíveis a qualquer bancário na onda infinita da "securitização" (revenda de empréstimos), é essencial. Ela não nasceu ontem: basta lembrar o caso do ING Barings em 1995.

O capitalismo não chegou aonde chegou sem freios e mudanças de direção. Daí a repetir um velho presidente republicano dos tempos da Guerra do Vietnã, um tal de Richard Nixon, e dizer que "somos todos keynesianos agora", vai enorme distância. Primeiro, porque os EUA têm sido relativamente "keynesianos" nestes anos todos, ao permitir um déficit público altíssimo para alimentar o consumismo de sua população, quase toda endividada em cartões de crédito a juros baixíssimos. Segundo, porque Keynes sempre foi o primeiro a defender os gastos públicos quando houvesse necessidade de "impedir ou compensar recessões", como disse seu biógrafo, Robert Skidelsky; na frase do próprio Keynes, "um governo pode viver por esse meio quando não consegue viver por qualquer outro". Ele não era um estatista, porque ciente de que intervencionismo excessivo e não seletivo causa inflação e ineficiência.

Já o "Estado mínimo", como escrevi algumas vezes, é outra utopia. Não existe em país nenhum, e dos tempos da Grande Depressão para cá o poder público só fez aumentar sua participação econômica, chegando a cobrar 50% da produção em impostos em países nórdicos. (Do mesmo modo, cansei de observar ao longo do governo FHC que ele nada tinha de "neoliberal", pois fez subir a carga de 27% para 34% do PIB.) O que aconteceu nos anos Reagan e Thatcher não foi apenas uma desregulamentação por causa da paralisia do Estado do Bem-estar Social diante de transformações tecnológicas e comerciais profundas. Como bons conservadores, eles queriam mais: queriam o livre-mercado como expressão "natural" da desigualdade humana.

É comum ouvir as pessoas falarem do "cassino" que é o mercado financeiro, entendendo por isso um banco de apostas sem conexão com o mundo real, produtivo. Mas não é assim mesmo que os agentes de mercado se vêem? Para eles, o sistema financeiro é um mundo à parte, redutível a modelos matemáticos - como o "fim da história" decretado pelo Consenso de Washington - que, com sua genialidade, eles manipulam para acumular US$ 1 milhão antes dos 30 anos. O que essa crise mostra, mais do que o reinício ou o final do capitalismo, é que a economia real e a virtual se interpenetram, assim como o Estado e o mercado. E que para um mundo de economias interdependentes é necessário haver instituições e ações transnacionais. Nem "modelo único", nem "outro mundo".

RODAPÉ

É para comemorar a publicação pela Cosac Naify do livro Fundação Iberê Camargo - Álvaro Siza, organizado por Flávio Kiefer, sobre o museu inaugurado neste ano. Estive lá duas vezes, uma sem o acervo de Iberê, a outra com ele. Funciona magistralmente porque dá o espaço e a conversa que pedem as telas, especialmente as grandes. O livro é quase todo composto de fotos (na maioria de Fabio del Ré e Duccio Malagamba), plantas e um descritivo das obras, mas tem uma "peça de resistência": um texto do grande crítico de arquitetura inglês Kenneth Frampton. Ele viu no museu uma dinâmica labiríntica, muito além da racionalidade à Corbusier, e ao mesmo tempo uma intimidade acessível - combinação que tem muito a ver com a pintura ao mesmo tempo mítica e realista de Iberê.

DE LA MUSIQUE

Me cobram indicações e comentários de CDs, mas é que não tenho tido muita sorte nas aquisições recentes. Ouvi o mais recente Beck, Modern Guilt, mas ele continua tentando ser o novo David Bowie, sem sucesso. No Brasil, vi elogios aos CDs de Rappa, Lenine e Zeca Baleiro, mas para mim está claro que eles encontraram uma pegada sonora e - com exceção de Zeca Baleiro em suas versões de Hilda Hilst - não saem mais da trilha, com direito a muitos trocadilhos nas letras. Como gostei do disco 4, da extinta banda Los Hermanos, comprei também o CDsolo de Marcelo Camelo, Sou (que se lê "Nós" de cabeça para baixo), e apesar de algumas canções bonitas, como a folk Janta, achei que não acrescenta nada, embora soe pretensioso e tenha participações como a da pianista Clara Sverner.

Alguém aí tem alguma dica de bom CD novo?

POR QUE NÃO ME UFANO (1)

Por estar entre os que sempre se indignaram com uso de insinuações pessoais em campanhas políticas, como quando Marta Suplicy foi criticada por trocar de marido, fiquei indignado com o que o PT fez em relação a Gilberto Kassab, colocando ao final de uma propaganda a pergunta: "Ele é casado? Tem filhos?" Marta, num primeiro momento, deu uma de Lula e disse que não sabia de nada, os marqueteiros é que inventaram aquilo. Depois ela tentou justificar pela necessidade de "saber o passado" do candidato. Bem, para saber se ele é casado ou não, basta ir à ficha do Tribunal Superior Eleitoral, que publiquei em meu blog. Na melhor das hipóteses, a pergunta era inútil.

Não que certos vínculos não sejam sinais de alerta para o eleitor. Se Luis Favre, digamos, estiver envolvido com a tesouraria da campanha e esta eventualmente apresentar ligações escusas com empresas favorecidas em licitações fraudadas ou propinas, a informação de que ele é marido da candidata ou futura prefeita passaria a ser muito útil.

POR QUE NÃO ME UFANO (2)

Por falar nisso, Marcos Valério foi preso, mas não por comandar a operação "mensalão" (ou, na expressão de outro mineiro, o vice-presidente José Alencar, "sacolão") em parceria com Delúbio Soares, e sim por um esquema de fraudes fiscais com ajuda de funcionários públicos. Ops, o governo lulista não nos garantiu que as empresas de Valério viviam de iniciativa privada, que aqueles depósitos para políticos no BMG e no Rural não tinham origem estatal, que tudo não passava de financiamento não contabilizado de campanha? Talvez se a PF tivesse deflagrado uma de suas operações - cheguei até a sugerir o nome, Operação Dilúvio - hoje soubéssemos melhor como Valério enriqueceu...

POR QUE NÃO ME UFANO (3)

Quando se dizia que o crescimento médio do PIB nos anos Lula se devia em grande parte ao bom momento da economia mundial, ainda que o governo tenha tomado algumas medidas positivas como a desdolarização da dívida e o aumento das reservas, a resposta era apontar um suposto desdém ou preconceito pelo presidente, tão acusado de ser despreparado, etc. Com a interrupção da bonança global dos últimos cinco anos, isso começa a ficar claro até para os adesistas. O preço médio das commodities, que são mais da metade das exportações brasileiras, aumentou 2,5 vezes desde 2002 e agora já está caindo. O real, que vinha artificialmente defasado, até por continuar não sendo uma moeda conversível, está valendo meio dólar. Embora possa ser compensação para os exportadores no curto prazo, a médio vai significar uma pressão sobre a inflação e a produtividade. O ritmo de crescimento, que seria sustentável em 5% segundo o governo e muitos analistas, pode cair à metade.

Como a equipe de Lula fez pouco por infra-estrutura e educação, aumentou os impostos e os gastos e não reduziu a burocracia, a recuperação vai ser mais demorada do que deveria. Mas, como a imensa maioria da população não sabe o que são commodities, Lula, ainda que não faça a sucessora (ou sucessor), vai encerrar seus oito anos com boa imagem. É a vida.


Aforismos sem juízo

Teoria do Tudo? Ou é teoria ou é tudo.

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