Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 19, 2008

Aprendendo com os erros Suely Caldas

Tragédias trazem destruição, mas também servem para refletir sobre os erros, tentar corrigi-los e planejar o futuro para não os repetir. Depois de tanto errar no mercado financeiro, os governos dos países ricos estão agora desesperadamente empenhados em desfazer estragos, sabendo que não conseguirão evitar o maior deles: uma recessão econômica de grande dimensão e duração longa, que abala e assusta o mundo inteiro. A injeção de trilhões de dólares nos bancos dos EUA, Europa e Japão ajuda, mas até agora não foi capaz de restabelecer a confiança no sistema financeiro. Os mercados continuam em pânico, alarmados com o futuro encolhimento da economia mundial.

Longe do epicentro da crise, o Brasil tem sofrido menos seus efeitos, mas, porque também cometeu erros, vai viver sua parte com graus de intensidade e estresse que poderiam ter sido evitados. O primeiro deles foi não ter aproveitado a boa maré em que o mundo e o Brasil navegaram entre 2003 e 2007 para fortalecer os fundamentos econômicos e dar maior proteção ao País. Nesse período, o PIB cresceu continuamente, a receita tributária se multiplicou e o governo se abarrotou de dinheiro, mas desperdiçou, gastou muito mais do que devia - e mal, porque priorizou gastos correntes e não investimentos -, limitou os superávits primários ao pagamento dos juros da dívida pública e perdeu oportunidade de ouro de reduzir seu estoque sem incorrer em sacrifícios - rara na história econômica recente.

Acertou ao trocar a dívida em dólar por real e acumular reservas cambiais de US$ 200 bilhões, tornando o País menos permeável a crises importadas, como a que vivemos. Sem isso, o dólar já teria chegado a R$ 3,00. Mas não cuidou de reduzir o tamanho da dívida interna em reais, que tem dificultado ao Brasil se apresentar ao mundo como um bom e confiável tomador de empréstimos. É verdade que, neste momento de pânico, a escassez de crédito atinge todos os países, mas, quando a normalidade voltar, os bancos serão mais seletivos e exigentes - negarão crédito ou cobrarão caro de países com dívidas elevadas.

Outro erro do governo Lula foi ter desperdiçado o prestígio político conquistado nas urnas para fazer as reformas - política, tributária, previdenciária e trabalhista. Lula sabe que elas são fundamentais para desemperrar o desenvolvimento, dar racionalidade aos gastos públicos e avanço, respeito e reconhecimento às instituições democráticas, mas desistiu de tocá-las muito facilmente, não brigou por elas. Conduziu mal suas relações com o Congresso ao entrar no jogo da chantagem política de parlamentares para construir maioria. Hoje tem larga maioria e muitos partidos em sua base, mas passa a maior parte do tempo negociando favores e aceitando a chantagem para "convencer" deputados e senadores. E o resultado tem sido pífio: as propostas do governo não andam ou tramitam muito lentamente. Com isso, o que restou da reforma tributária - a única que o governo enviou ao Congresso - é adiado indefinidamente. As outras reformas, nem isso, porque Lula desistiu de tocá-las para não abalar sua popularidade política.

Aprender com erros é uma virtude de governantes conscientes. Mas seria ingenuidade política esperar que Lula corrija os seus com uma eleição presidencial à frente, em que ele deseja desesperadamente fazer o sucessor. E sua vocação populista o impede de tomar decisões que possam tirá-lo do pedestal da popularidade. No máximo ele tentará aprovar a tímida reforma tributária e reduzir alguns poucos gastos. E só.

Mas seu sucessor, seja quem for, precisa usar o cacife eleitoral para iniciar mudanças em série, para corrigir erros e redirecionar rumos. A primeira delas, que terá influência positiva sobre as demais, é mudar os métodos de relacionamento com o Congresso, abolir a chantagem política, o toma-lá-dá-cá e exigir dos parlamentares comportamento comprometido com os interesses do País. Impossível? A ver. Mas vale tentar, com garra, disposição e sem ceder na primeira dificuldade. Se for bem-sucedido, será possível aprovar no Congresso reformas mais consistentes e duradouras, não os paliativos e remendos dos últimos anos.

Também é preciso definir prioridades para os gastos públicos, inverter a equação e priorizar investimentos que beneficiem a população, em vez de gastos correntes. Restringir as nomeações político-partidárias a cargos que não exijam qualificação técnica e despolitizar as agências reguladoras. Isso é aprender com erros.

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