Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, outubro 13, 2008

Consumo no Bric cai em nova ameaça para economia global

Andrew Batson, Daria Solovieva e Eric Bellman
The Wall Street Journal, de Pequim, Moscou e Mumbai, Índia

A crise internacional do crédito já começa a atingir um grupo de países que há vários anos vêm levantando economia mundial: as grandes economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia e China, os chamados Bric.

Nesta década, o crescimento global foi impulsionado pelos países do Bric e pelos Estados Unidos. Como os EUA saíram do jogo devido à fragilidade do seu sistema financeiro, a esperança era que os países em desenvolvimento assumissem o lugar vago. Em vez disso, porém, aumentam as evidências de que a economia desses quatro está retrocedendo, agora que seus consumidores sentem a dor que emana do mundo desenvolvido.

Na Rússia, o crédito fácil que foi o motor do consumo agora está se contraindo. Na Índia, o mercado de trabalho terceirizado pelas firmas financeiras do Ocidente está encolhendo. No Brasil, o preço das commodities que o país exporta está caindo. Na China, foco das atenções mundiais nos últimos anos, quedas na bolsa e nos preços dos imóveis estão fazendo os consumidores pensarem duas vezes antes de comprar.

O crescimento dessas grandes economias ainda é muito mais acelerado do que nos EUA ou Europa. Mas indicadores sugerem que seus consumidores, agora com mais renda, não vão sustentar o crescimento global sozinhos.

Um dos que estão sentindo o impacto é Yan Jian, empresário de Xangai. Ele diz que sua firma de exportação de roupas e brinquedos já foi atingida pela queda nas encomendas para os EUA. Com isso, Yan teve de adiar a reforma do apartamento que comprou no ano passado, e está mais cauteloso enquanto vê as perspectivas econômicas ficarem mais sombrias. "As coisas podem piorar ainda mais no futuro próximo", diz ele. "Preciso evitar os gastos, ao máximo possível."

Se essa atitude se generalizar, é uma má notícia para a economia global. Embora os consumidores das quatro grandes economias emergentes ainda sejam muito mais pobres do que o americano ou europeu médio, nos últimos oito anos seu apetite crescente por geladeiras, carros e TVs de tela plana representou um crescimento da demanda global quase igual ao dos EUA, segundo a Goldman Sachs. A expectativa vinha sendo de que a demanda desses países ultrapassaria a dos EUA e cresceria firmemente, até ultrapassar a demanda agregada de todo o Grupo dos Sete, formado pelos países mais industrializados.

"Essas economias não podem mais depender do crescimento de suas exportações, nem do aumento no preço das commodities", diz Fred Hu, um diretor-gerente da Goldman Sachs.

Muitas vezes os consumidores continuam gastando, mesmo quando os mercados financeiros caem. Mas da mesma forma como os problemas de Wall Street afetaram toda a população americana, o turbilhão nessas grandes economias emergentes está crescendo — e se alastrando. A principal Bolsa de Valores da Rússia está fechada desde quarta-feira, por causa de uma febre de vendas de ações. No Brasil, o real caiu bastante nos últimos dias, aumentando o custo de mercadorias importadas. E na China o consumo esteve forte na maior parte do ano, mas começou a cair mais recentemente.

Em alguns desses países, o crédito é outra área que está se contraindo, tal como no mundo desenvolvido. Na Rússia, o crédito fácil e o aumento dos salários em termos reais animaram o consumo nos últimos anos. Mas o crédito está secando depressa, agora que os bancos, sofrendo com a escassez de fundos, estão aumentando as exigências para hipotecas, carros e outros empréstimos. A venda de carros novos, muitos dos quais financiados, subiu 22% em setembro — um índice espantoso, mas inferior a vários meses consecutivos de crescimento de 50% e menor resultado mensal desde 2001.

"A alta do consumo na Rússia foi devida, em grande parte, ao crédito fácil", diz Alexander Potavin, analista sênior da corretora Antanta-Pioglobal, de Moscou. "Neste momento está realmente difícil conseguir um empréstimo bancário."

Os varejistas na Índia , onde a bolsa também foi atingida, estão se preparando para enfrentar tempos difíceis. Normalmente esta é uma boa época para as vendas — logo antes do Diwali, feriado da religião hinduísta que neste ano cai no final de outubro — mas já se espera uma redução no consumo. O setor financeiro americano, que está no centro do turbilhão global, é um enorme cliente para as empresas indianas de call centers e serviços terceirizados.

A retração já está afetando empresas indianas. Build a Bear, varejista americana de brinquedos, fechou suas três lojas na Índia; também a rede francesa de lingerie Etam fechou quatro lojas no país. Um dos maiores varejistas indianos, a Shoppers Stop Ltd., anunciou prejuízos, enquanto que a Pantaloon Retail India Ltd. reduziu seus planos de abrir lojas de calçados no país inteiro.

Indicadores antecedentes dão suporte a esses exemplos. Na Índia, a venda de carros de passeio, que vinha crescendo em média 20% ao ano nos últimos cinco anos, caiu para 8% este ano. "Existe uma certa pressão, e um desaquecimento", diz Vaishali Jajoo, analista do setor bancário da Angel Broking em Mumbai. "Os bancos aumentaram as restrições para conceder empréstimos."

A China também apresenta alguns indicadores preocupantes. Embora as vendas no varejo, tomadas em conjunto, apresentem forte crescimento, de 15% a 16% nos meses recentes, poucos economistas acreditam nos números oficiais, em especial devido ao recuo nas vendas de certos bens de maior preço.

Pelo visto, os dois principais pontos fracos da economia chinesa são as indústrias de exportação que vendem para os EUA, e o mercado imobiliário. Os preços dos imóveis no país inteiro caíram, depois de uma acentuada alta no ano passado. Embora poucas cidades tenham tido uma queda real nos preços, a população não está comprando. A Macquarie Securities avalia que as transações imobiliárias nas grandes cidades caíram de 40% a 60% nos últimos meses.

Isso está afetando também outros setores. As vendas da China para a Kingfisher PLC, firma britânica de materiais para reparos domésticos, caíram 19,4% na primeira metade de 2008. A venda de aparelhos domésticos para apartamentos novos também está em queda. Há sinais de que até mesmo a compra de artigos mais baratos para as necessidades diárias também está caindo.

Apesar dessas preocupações, poucos acreditam que a China terá um colapso nos gastos dos consumidores. Hu, da Goldman Sachs, nota que o fraco desempenho econômico se deve às restrições do governo central, impostas para refrear a inflação. As autoridades financeiras em Pequim já começaram a mudar de rumo, tendo cortado os juros duas vezes no mês passado. Essa reação lembra a que se viu em 1998, durante a crise financeira na Ásia, quando a China conseguiu sobreviver à tempestade graças às rápidas ações do governo para estimular a economia.

"O governo terá que ficar muito vigilante", diz Hu.

Mas pode ser difícil convencer os consumidores chineses a reduzir seu alto índice de poupança. Boa parte de suas economias se destina a pagar despesas importantes com educação e saúde não cobertas pelos programas governamentais nem por seguradoras particulares.

"A menos que a China recorra ao sistema americano de empréstimos — isto é, sem exigência de documentação, nem entrada— é difícil ver como o governo chinês pode transformar seus cidadãos em consumidores que sejam o último recurso", diz Andy Rothman estrategista da CLSA especializado assuntos chineses, em relatório divulgado esta semana.

Até agora, a economia emergente que parece mais firme é a do Brasil. Mesmo assim, alguns economistas dizem que o crédito ao consumidor provavelmente ficará mais caro.

(Colaboraram Antonio Regalado em São Paulo, Ellen Zhu em Xangai e Ian Johnson em Pequim)

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