Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 18, 2008

André Petry Autocarbonização


"Marta Suplicy está pronta para juntar-se
à massa de evangélicos homofóbicos que,
a esta altura, deve estar exultante com a
sua conversão dramática e pública"

Há segundos que duram um século. Há momentos que definem uma vida inteira. Marta Suplicy, candidata do PT à prefeitura de São Paulo, produziu um comercial de trinta segundos que incinerou sua vida pública. O comercial insinua que o prefeito Gilberto Kassab, candidato à reeleição pelo DEM, é homossexual. Com essa peça de propaganda, Marta Suplicy não disparou um torpedo na sua própria candidatura. Fosse apenas isso, o estrago acabaria no dia 26 de outubro, quando o eleitor volta às urnas para votar no segundo turno. É pior, no entanto. Marta Suplicy, tendo construído uma carreira pública na qual se destacou como defensora de homossexuais, exterminou seu passado. Quando o presente destrói o passado, o futuro só revolve escombros.

A difamação contra Kassab fere de morte a militância passada de Marta em defesa da diversidade sexual, mas faz mais. Mostra a disposição da petista de apelar para os instintos mais preconceituosos do eleitorado, se isso lhe render votos. Como defensora que já foi de gays e lésbicas, Marta deve saber que é fácil apelar para a intolerância, a ignorância e a discriminação porque são primitivismos abundantes. Só não é decente.

A peça revela uma visão torpe de Marta sobre o que é, ou o que pode ser, um homossexual. Prefeito não pode. Se Marta recorrer aos escombros do seu passado de apoio a gays e lésbicas para dizer que não é isso que pensa deles, não vale. Porque foi a esse tipo de pensamento obscurantista que quis dar eco. Quem diria: até o movimento de gays, lésbicas e assemelhados, outrora admirador cativo da candidata, protestou.

Confrontada com sua baixeza, Marta disse que "a decisão está na mão do marqueteiro" e que nem viu "a campanha no ar". Desdobrando: não sabia de nada, o assunto não era com ela, nem disse que ia ver a peça ou rever a decisão de divulgá-la. Relaxando e gozando.

Marta Suplicy tem como salvar-se da autocarbonização? No máximo, talvez possa salvar as aparências. Só há um jeito: vir a público pedir desculpas a Gilberto Kassab (pela difamação), aos homossexuais (pela desqualificação), aos seus eleitores de ontem (pela traição) e aos eleitores em geral (pela suposição de que são todos imbecis). Não é certo que todos aceitem as desculpas. Mas, pelo menos, Marta teria discurso para... seguir discursando.

Como isso não deve acontecer, a rabacuada fica autorizada a achar que Marta Suplicy está pronta para juntar-se à massa de evangélicos homofóbicos que, a esta altura, deve estar exultante com a sua conversão dramática e pública. E, quem sabe, deve agora brindá-la com seu voto. (Atenção: este texto afirma que há evangélicos homofóbicos, como é notório. Este texto não afirma que todos os evangélicos são homofóbicos.)

Marta Suplicy, contrariando os prognósticos do momento, pode até se eleger no dia 26. Mas será apenas um miasma emanado da decomposição do que ela parece ter sido um dia. Kassab, por caminhos que jamais imaginara, esmagou Marta Suplicy. Ainda que perca a eleição.

colunadopetry@abril.com.br

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