O Brasil deveria estar negociando tratados de comércio com as economias avançadas |
NO COMEÇO de cada ano, as universidades americanas recrutam professores assistentes de economia entre os recém-doutorados em escolas nos EUA e na Europa. O sistema de ensino universitário nos EUA é altamente descentralizado e cada departamento tem suas próprias regras de recrutamento, mas as melhores universidades enfatizam a pesquisa, e nessas a qualidade da tese de doutoramento desempenha o papel mais importante na escolha dos novos membros do corpo docente.
Como muitos dos meus colegas em Princeton, passei uma parte dos feriados de Natal lendo capítulos de teses de doutoramento. Um dos trabalhos mais interessantes que li foi escrito por De Loecker Jan, um doutorando da Universidade de Nova York (NYU, na sigla em inglês).
Jan examinou um painel de firmas industriais da Eslovênia, um exemplo particularmente bem-sucedido de transformação de uma economia socialista em uma economia de mercado.
Entre 1994 e 2000, as exportações de manufaturados da Eslovênia aumentaram 42% e o número de firmas exportadoras foi praticamente multiplicado por quatro. Como em outros países, as empresas exportadoras eslovenas são mais produtivas, pagam melhores salários e investem mais quando comparadas com firmas que só servem o mercado doméstico. Há duas possibilidades teóricas para explicar o melhor desempenho dessas firmas. A primeira é que as melhores firmas são as únicas que conseguem competir no mercado internacional e exportar, o que os economistas chamam de "efeito de seleção". A segunda explicação plausível é que o contato com compradores e concorrentes no exterior traz novos conhecimentos e melhora a qualidade de uma empresa. Esse fenômeno é o que os economistas chamam de "aprendizado pela exportação".
Jan explorou uma base de dados anuais que cobria praticamente todas as empresas industriais eslovenas durante o período 1994-2000 e que continha, entre outras informações, dados de exportação. A observação de cada empresa com o tempo permitiu ao doutorando da NYU demonstrar, utilizando uma modelagem econométrica sofisticada, que tanto o efeito seleção como o efeito aprendizado estão presentes na Eslovênia. As melhores empresas exportam, mas o contato com o mercado internacional aumenta, por si só, a produtividade de uma firma. Mais interessante ainda foi que Jan estimou que o efeito aprendizado é duas vezes maior para as firmas que exportam para as economias avançadas quando comparadas com aquelas que vendem mercadorias para países menos desenvolvidos. Afinal, se o aprendizado pela exportação ocorre, é lógico que ele seja mais intenso para as empresas que vendem em mercados mais complexos.
Após a dissolução da Iugoslávia, a Eslovênia escolheu integrar-se na União Européia. Com certeza, não faltaram empresários locais que reclamaram do "custo Eslovênia" e pediram proteção contra os concorrentes da Europa Ocidental, hoje a maior parceira do país. Mas a Eslovênia escolheu o caminho da abertura do comércio, e o PIB per capita é hoje mais do que o dobro do que era em 1994.
A Eslovênia é um país pequeno, muito diferente do Brasil. Mas, no momento em que Doha parece moribunda, a tese de Jan serve para lembrar que o Brasil deveria estar negociando tratados de comércio com as economias avançadas, Estados Unidos, União Européia e Japão, em vez de perder tempo discutindo a integração da Venezuela no Mercosul.