O Globo |
4/10/2007 |
Ao contrário do que recomendam a prudência política e a experiência histórica, o presidente Lula ainda nem terminou o primeiro ano de seu segundo mandato e não é de hoje que vem estimulando o debate sucessório. Sem receio de ficar sem o cafezinho quente muito antes do previsto, ele mantém a expectativa de poder em torno de si mandando mensagens contraditórias quanto a um eventual terceiro mandato seguido, ora negando essa possibilidade enfaticamente, ora deixando no ar frases que indicam exatamente o contrário, como o diálogo acontecido na reunião do Conselho Político, registrado ontem pela coluna Panorama Político do GLOBO. Ao responder com um "quem sabe" ao comentário do ministro Franklin Martins de que não será mais presidente quando o Conselho Curador da nova TV pública tiver que ser renovado, Lula deu seguimento a uma estratégia que visa a manter em torno de si a união que permite a existência de um governo de coalizão com 11 partidos diferentes entre si. Ontem, ao anunciar aos aliados os termos em que pretende participar das campanhas eleitorais no ano que vem e em 2010, Lula tornou a se colocar no centro das negociações políticas, no que tem toda a razão. Ele sabe que será quase impossível manter unida essa base partidária, que já dá mostras de divergências tanto no trato da política no dia-a-dia do Congresso, quanto nas alianças eleitorais que vão se formando com vistas às eleições municipais de 2008. As evidências de que as alianças políticas mais díspares estão sendo montadas nos estados indicam não apenas que é inviável conciliar os interesses políticos de partidos tão heterogêneos, como que a partir das eleições municipais serão estabelecidas parcerias e alianças que esboçarão o caminho de cada grupo na eleição presidencial. Diante de quadro tão inviável para uma candidatura única, o que faria Lula antecipar a discussão sucessória? Uma resposta politicamente correta, mas ingênua, seria a de que ele está fazendo o impossível para mostrar aos aliados que somente unidos conseguirão vencer a oposição em 2010. Essa explicação logo de saída mostra-se insuficiente para tamanho empenho, pois é sabido que dentro da base aliada governista há partidos, ou mesmo grupos políticos dentro deles - um caso especial é o do PMDB - que são mais ligados ideologicamente aos partidos de oposição do que ao governo, e só estão na base por interesses específicos. Já estiveram, e estarão, na base aliada de qualquer governo. Portanto, para a maioria desses políticos que hoje estão aliados ao governo Lula, apoiar o candidato que tiver mais chance de vitória é a tendência natural, mesmo que permaneçam formalmente na base governista até os últimos dias de mandato. Por isso mesmo Lula anunciou que nas eleições municipais só subirá em palanques onde houver candidato único da base, quer dizer, adiantou que não participará diretamente da campanha, pelo menos no primeiro turno, deixando que os "aliados" se devorem regionalmente. Por outro lado, ao se dispor a se licenciar para fazer a campanha de um eventual candidato único da base aliada em 2010, Lula está indicando que o único que une os partidos é ele mesmo. Dificilmente terá conseqüências a tese de Lula de fazer uma chapa com candidato do PMDB a presidente e um vice petista. O sonho de consumo seria o governador Aécio Neves no PMDB, o que parece inviável. O governador do Rio, Sérgio Cabral, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, seriam as melhores apostas de hoje. Mas o PT não abrirá mão de lançar seu candidato, mesmo que seja para perder. Além do mais, é mais fácil para o PMDB se coligar ao PSDB do que ao PT, mesmo que seja para dar o vice aos tucanos. E o bloco de esquerda do PSB, PDT e PCdoB já tem um candidato potencial, o deputado Ciro Gomes, que conta com a simpatia de Lula, mas não do PT. E muito menos do PSDB, onde uma costura dos tucanos cearenses tenta montar uma chapa Aécio Neves-Ciro. Na verdade, o que Lula está fazendo, ao antecipar o debate eleitoral, é tentar antecipar as dificuldades para ter tempo de buscar a única solução possível para manter unida a base: sua própria "re-reeleição". Colocando-se no centro das negociações políticas, o que Lula faz é explicitar o que já todos desconfiam, ou seja, que nenhum partido tem candidatos tão fortes quanto os da oposição, e sem ele para cimentar a união, será difícil vencer a eleição presidencial. O que pode ajudar o governo é uma divisão entre os principais candidatos da oposição, os governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais. Também aqui a eleição municipal pode dar uma indicação de como as coisas seguirão. Se o ex-candidato Geraldo Alckmin quiser, será o candidato à prefeitura, mas isso atrapalhará a aliança política que o grupo serrista montou com o DEM, que tem em Gilberto Kassab, o atual prefeito, um candidato natural. Se Alckmin aceitar se candidatar ao governo paulista em 2010, estará abrindo caminho para que Serra se fortaleça como o candidato do PSDB à Presidência. Mas como Alckmin pode ter certeza de que Serra não perderá a disputa com Aécio Neves dentro do partido, e terá que disputar a reeleição para o governo de São Paulo? Mais ainda, estará Alckmin disposto a facilitar a vida de Serra, ou estará mais próximo de Aécio Neves? Os tucanos aprenderam nas duas últimas campanhas presidenciais que a divisão partidária leva inevitavelmente à derrota, ainda mais quando do outro lado está Lula. Por enquanto, a sucessão de 2010 não tem Lula entre os candidatos. Mas, como ele mesmo diz, "quem sabe?". |
Entrevista:O Estado inteligente
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