Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, outubro 17, 2007

Inteligência nanica - Alexandre Schwartsman



Folha de S. Paulo
17/10/2007

Em vez de normalizarmos as variáveis (investimento, gasto, tributo) pelo PIB, passaremos agora a fazê-lo pela área

NUNCA ENTENDI por que a banana nanica tem esse nome, já que quase todas as outras bananas são bem menores do que ela. Há pouco, porém, tive uma epifania. Segundo artigo publicado recentemente nesta Folha, o Estado brasileiro é nanico, o que me trouxe revelação inesperada: "nanico", seguindo as regras do duplipensar orwelliano, deve ser exatamente o contrário do que nos informam os dicionários (pequeno, acanhado), resolvendo o mistério milenar que cercava tão saboroso fruto.
No artigo, o autor apresentou um trabalho empírico sólido para caracterizar a pequenez do Estado nacional: enquanto a Bélgica e a Holanda apresentam respectivamente 310 e 227 fiscais de impostos por 1.000 km2, o Brasil tem apenas 0,9. Por esse raciocínio, o país deveria ter entre 1,9 milhão e 2,6 milhões de fiscais de impostos, alguns dos quais responsáveis pelas áreas densamente povoadas da Reserva Raposa do Sol, garantindo que se respeite o sagrado direito dos ianomâmis de pagarem impostos (mesmo porque os fiscais terão que ser pagos, não?).
Trata-se de uma revolução analítica: em vez de normalizarmos as variáveis macroeconômicas (gasto, tributação, investimento) pelo PIB, passaremos agora a fazê-lo pela área. Graças a isso, o Brasil, em vez de simplesmente ganhar o grau de investimento, passará direto à categoria AAA (mínimo risco) quando a dívida pública for medida com relação à extensão territorial.
Não mais teremos que explicar como o funcionalismo (federal, estadual e municipal) consome cerca de 15% do PIB, nem como um país com apenas 5% da população acima de 65 anos consegue gastar quase 14% do PIB em aposentadorias e pensões, o equivalente ao que gastam países com uma proporção de idosos três vezes superior à nossa. Outras comparações vexatórias, como o fato de o consumo público (pela definição de contas nacionais) atingir 20% do PIB, contra uma média de 13% do PIB no caso dos demais países grandes da América Latina, também perderão o sentido. A fúria neoliberal terá que ser dirigida a Vanuatu, a Cingapura e ao Vaticano, com o perdão do santo padre.
Também ignoraremos que os gastos primários do setor público, incluindo transferências a pessoas, aumentaram oito pontos percentuais em relação ao PIB entre 1994 e 2006 (de 23% para 31% do PIB), trazendo consigo a carga tributária, que subiu sete pontos (de 27% para 34% do PIB, apesar da aguda escassez de fiscais) no mesmo intervalo. Afinal, basta se espalhar um pouco mais pela Amazônia...
Mas não. Se levarmos esse raciocínio às últimas conseqüências, o gasto com juros também terá que ser medido com relação à área, e aí ficará difícil criticar o Banco Central. O melhor mesmo é usar dois pesos e duas medidas e, de preferência, ignorar que o gasto com juros tem caído em relação ao PIB, sem mencionar, é claro, que a trajetória de queda da inflação no período pode ter algo a ver com a política monetária. E, óbvio, nem pensar nas implicações de uma taxa baixa de inflação em termos de bem-estar, seja pela estabilidade de renda real, seja pelo renascimento do mercado de crédito de longo prazo.
Como última alternativa, poderíamos simplesmente aceitar o mistério da profunda conexão entre o Estado nanico e a banana nanica, jamais apreendida nem sequer por mestre Aurélio Buarque de Holanda. Só é preciso desenvolver a inteligência nanica necessária para a digestão de uma balela nada nanica.

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