Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, outubro 17, 2007

Diplomacia e ditadura


EDITORIAL
Folha de S. Paulo
17/10/2007

Visita de Lula a países autocráticos é legítima, mas Brasil deve defender as liberdades civis nas situações apropriadas

A BOA DIPLOMACIA reside na difícil arte de equilibrar-se entre o pragmatismo exigido pelos interesses comerciais e estratégicos do país e o apego a certos princípios universais, como a solução pacífica de conflitos e o respeito aos direitos humanos.
A política externa da gestão Lula coleciona alguns equívocos. Mesmo assim, é exagerada a crítica de setores da oposição a seu atual périplo africano. Censura-se o presidente por visitar ditaduras. Dos quatro países no roteiro, dois (República Popular do Congo-Brazzaville e Angola) são classificados como não-livres pela Freedom House -tradicional fundação americana criada em 1941 por Eleanor Roosevelt. Um (Burkina Fasso) é considerado parcialmente livre, e apenas a África do Sul constitui uma sociedade aberta.
Não faz sentido exigir que o presidente Lula ponha os pés apenas em nações democráticas. Nenhum presidente do mundo se utiliza desse critério, assim como não o fez Fernando Henrique Cardoso, que visitou templos da tirania como a China e Cuba. A crer na classificação da Freedom House, só 90 dos 193 Estados do planeta podem ser considerados livres.
Isso não significa, é claro, que o Itamaraty esteja autorizado a esquecer os compromissos do Brasil com a democracia e os direitos humanos. O Ministério das Relações Exteriores ensaiou alguns passos nessa direção no auge de sua obsessiva campanha por uma vaga permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU. Em busca de apoio, o Brasil depositou alguns dos votos mais vergonhosos da história de sua diplomacia, como abster-se na moção que exigia o julgamentos dos responsáveis pelo genocídio de Darfur (Sudão).
Não existe receita para chegar ao equilíbrio entre pragmatismo e princípios, mas ele é possível. Passa por cobrar de forma tão clara quanto a cortesia permita avanços institucionais e reagir com firmeza a episódios específicos de violações.
Na África, o próprio Lula encontrou uma fórmula interessante ao exaltar o papel da democracia e criticar, ainda que timidamente, o "exercício abusivo do poder" diante de seu anfitrião burquinense. Diga-se, "en passant", que o Itamaraty deveria ter poupado Lula de comparecer à celebração dos 20 anos do golpe que levou o atual presidente ao poder. É perfeitamente legítimo visitar países não-democráticos e com eles travar relações comerciais, mas daí não segue que seja boa política participar dos festejos de um golpe de Estado.
No caso de países latino-americanos que integram, com o Brasil, associações em que vigora a cláusula democrática -como a Organização dos Estados Americanos e o Mercosul-, a atenção brasileira às liberdades civis deve ser maior. O país deveria também, em instâncias como o Conselho de Direitos Humanos da ONU, abandonar a conivência com os abusos perpetrados pela ditadura cubana.

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