Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 06, 2007

FERNANDO GABEIRA Longe daqui na Birmânia

VESTIDOS COM mantos cor de açafrão, os monges budistas ocuparam as ruas de Yangon para protestar contra o governo militar num país que muitos conhecem como Birmânia, e foi renomeado Myanmar.
Os monges traziam seu único bem nas mãos: a tigela de pedir esmolas. A tigela estava voltada para baixo. Esse gesto significa que não querem mais esmolas dos militares e seu regime. Em termos budistas, representa a excomunhão -dramático, para um governo que sempre procurou se identificar com o budismo, construiu templos e conhece a força dos religiosos no país.
A fratura exposta entre o regime dominante e a religião onipresente na Birmânia pode ser vista como uma semente da democracia. Há sempre reservas quando se vê religião associada com política. No entanto, no caso da Birmânia, merece um exame especial. Os budistas só assumem a vanguarda do movimento porque não existem organizações sociais capazes de cumprir esta tarefa no momento. Tudo indica que vão refluir para seus conventos quando a democracia chegar. Os monges foram decisivos na luta contra a colonização inglesa.
Um deles, U Visara, fez 116 dias de greve de fome e morreu na prisão em 1929. O que o Brasil tem a ver com isto? O governo, através de Celso Amorim, já se declarou a favor da abertura. No entanto, o chanceler discordou de sanções contra o regime. É compreensível pela experiência do bloqueio a Cuba e ao Iraque.
Num dado momento, Amorim foi quem negociou na ONU um alívio para o bloqueio aos iraquianos, salvando, possivelmente, muitas vidas.
Visitei o embaixador de Myanmar, general Thein Win. Um dos textos que me deu fala em mapa do caminho para se alcançar um duplo objetivo: sistema de mercado, regime democrático. Um sinal, pelo menos.
O encarregado da ONU para Myanmar é Paulo Sérgio Pinheiro, que, certamente, ao entrar no país, vai dar ao mundo um relatório completo e preciso. Pedimos um visto ao general Win -ele disse sim. Outro sinal.
Milhares de pessoas caminhando desarmadas pelas ruas pedindo democracia revelam como o mundo vive diferentes etapas de evolução política. Os que conquistaram suas liberdades essenciais, ainda que desiludidos com o resultado, não podem voltar às costas a essas tigelas voltadas para o chão, indicando o choque da força moral contra as armas. De resto, num momento em que discute tanto o fisiologismo no Brasil, os monges deixam uma clara lição: arriscam morrer de fome ou de bala, para não morrerem de vergonha.

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