Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 06, 2007

CLÓVIS ROSSI Liberais, torturas e corrupção

SÃO PAULO - Um dia de 1982 fui ao Chile. Era correspondente da Folha em Buenos Aires, mas, como a ditadura argentina se recusava a me dar o visto de permanência, era obrigado a viajar a cada três meses, para renovar o visto de turista.
Escala indispensável: almoço na casa de Patrício Halles, filho de Alejandro, ex-ministro de governos da Democracia Cristã, irmão de Jaime, também DC e militante dos direitos humanos. Patrício era arquiteto, comunista, ex-funcionário do governo de Salvador Allende.
À tarde, passou por lá todo o arco-íris ideológico da oposição à ditadura Pinochet. Contaram histórias incríveis sobre o enriquecimento do clã Pinochet e sobre a construção da mansão familiar.
Essas coisas, como é óbvio, não saíam na mídia local, sob censura, para não falar dos jornais pura e simplesmente fechados após o golpe de 1973. Tampouco dava para investigar. Sou capaz de apostar que ditaduras censuram mais o noticiário sobre corrupção do que sobre violação aos direitos humanos.
Afinal, matar e torturar, prender e arrebentar, são atividades tacitamente aceitas, desde que as vítimas sejam do "outro lado".
Já roubar é coisa feia, pelo menos da boca para fora, qualquer que seja o lado, qualquer que seja o país.
Por tudo isso, não me espantou nadica de nada a prisão de familiares de Pinochet, por suspeitas de corrupção. Lembrei-me do almoço na casa de Patrício. Só estranho tamanha demora.
Lembrei-me também do ensurdecedor silêncio dos liberais (chilenos e brasileiros), que adoram atacar o intervencionismo do Estado, mas não abriram a boca quando o Estado pinochetista intervinha até no direito à vida e à integridade física dos chilenos, que deveriam ser bens supremos a resguardar. E, ao amparo do silêncio que a repressão provocava, também se roubava.

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