A tropa de choque que marcha à frente dos 45 comparsas de Renan Calheiros achou insuficiente revogar a decência e transformar o Senado no primeiro clube de cafajestes da terceira idade. Além do enterro da moral e dos bons costumes, também providenciaram a desmoralização de duas crenças promovidas a verdades incontestáveis pelo critério da longevidade. Foram reduzidas a crendices tão verossímeis quanto o Saci-Pererê ou a mula-sem-cabeça.
A primeira garantia era que, para qualquer político profissional, o instinto de sobrevivência eleitoral sempre prevaleceria sobre tudo o mais - amizades, alianças históricas, convicções ideológica; tudo. Engano, informou a absolvição de Renan. Os parceiros do pecador escalaram o cadafalso por vontade própria.
Alguns tentaram camuflar a abjeção. Muitos optaram pelo suicídio com o peito estufado dos mussolinis de hospício. Ao agirem assim, os ordenanças de Renan também revogaram a tese segundo a qual, diante do naufrágio iminente, os ratos são sempre os primeiros a abandonar o barco.
O comportamento dos roedores fiéis ao chefe agonizante sugere que ocorreu em Brasília uma histórica mutação no reino animal: surgiu uma subespécie cujos integrantes preferem continuar a bordo. Abortam tentativas de impedir o desastre e buscam precipitar o afogamento coletivo.
Quatro mutantes exemplares merecem ser submetidos com urgência a uma sabatina na Comissão de Ciência e Tecnologia. A Casa do Povo virou a casa-da-mãe-joana, mas certos ritos merecem respeito. A mais nova atração da fauna brasileira não pode dispensar a certidão de nascimento.
E, talvez, carteiras de identidade, porque não é fácil perceber a olho nu que todos pertencem à mesma família. Almeida Lima só ruge. Leomar Quintanilha só mia. Wellington Salgado só berra. Gilvan Borges se expressa num dialeto ainda indecifrável. Como saber que são irmãos?
Miando, Quintanilha conseguiu fazer de Almeida Lima o relator do segundo processo contra Renan. Rugindo, Almeida Lima anunciou que vai combater com sapatadas. Convém não contar com Welllington: a versão devassa de Rapunzel terá de usar o chinelinho novo que ganhou de Lula. Tampouco Gilvan Borges poderá combater nessa guerra de sapatos. Ele só usa sandálias de couro cru. Sem meias.
De certa forma, combinam com os ternos de Gilvan: todos estimulam a suspeita de que o defunto era mais baixo e mais magro. Ele nunca foi de dar muito valor a trajes, explica o senador que, a valores morais, não dá valor nenhum. Se Deus poupou JK do sentimento do medo, algum anjo caído parece ter poupado a subespécie de remorsos e culpas.
Confiantes na indulgência das urnas e na lentidão da Justiça, aparentemente não se deram conta do afastamento dos eleitores e da aproximação da polícia. Logo descobrirão que, mesmo no Brasil, é possível passar um longo tempo fora da realidade, mas não viver uma vida inteira como os fora-da-lei dos velhos faroestes.
Cabôco Perguntadô
O Ministério da Justiça comunica que, além do presídio federal de segurança máxima construído em Catanduvas, já foi inaugurado o de Campo Grande. Somadas, informou a mensagem enviada à coluna, as duas cadeias hospedam 225 bandidos. O Cabôco ficou ruborizado com a traição da memória, mas é duro na queda. Quer saber por que há mais celas vazias que ocupadas. E por que as cadeias federais de Mossoró e Porto Velho, prometidas para 2005, só serão concluídas no ano que vem.
"Já tenho relógio e não gosto de chocolate", resumiu Henrique Souza Gomes ao recusar, nem faz tanto tempo assim, o convite para chefiar a embaixada na Suíça. Pois o Itamaraty acha que sobra serviço por lá: na semana passada, subiram para seis os embaixadores brasileiros acampados ao pé dos Alpes. Pena que estejam distribuídos por Berna, Genebra e Zurique. Se morassem na mesma cidade, poderiam montar um time de futebol soçaite e ensinar aos nativos que o melhor remédio contra o estresse é uma boa pelada.
O destino levou um lindo drible
A seleção feminina de futebol confirma: o Brasil tem jeito. Entre as 11 vice-campeãs mundiais, só é branca a goleira. Nenhuma iria longe num concurso de beleza. Os vincos precoces identificam mais uma geração de crianças traídas: cada sulco corresponde a uma crença destroçada. Nasceram para perder. Especializaram-se em sobrevivência na selva brasileira e venceram até o destino. Não nos devem nada. O Brasil é que lhes deve momentos de puro prazer - e ressurreição da esperança repetidamente assassinada.
O calvário no paraíso
O Itamaraty informa: os dois pugilistas cubanos que buscaram a liberdade pela rota do Rio vêm percorrendo as muitas estações do calvário reservado a traidores da pátria socialista. Por ordem de Fidel Castro, foram capturados pela polícia brasileira e deportados. "Eles quiseram voltar", jura o Ministério da Justiça. Talvez tenham sucumbido à idéia de viver uma experiência só possível em Cuba: visitar o inferno sem sair do paraíso. Talvez tenham sido nocauteados, pelas costas, por um país que já não sabe ser compassiv
A taça da semana vai para o ainda anônimo funcionário do Congresso que reformou, no carimbo aplicado à papelada produzida pelos pais da pátria, a grafia da palavra que identifica a sede do Poder Legislativo. Ficou assim:
Congreço
Isso mesmo, com c e cedilha. Ou o autor da inovação está criando a versão escrita do português falado por Lula ou apenas concedeu uma folga ao s, convencido de que nenhuma consoante merece aparecer duas vezes numa palavra que lembra Renan.