Tropas do Paquistão esmagam baluarte
do extremismo islâmico, mas o país ainda
é vulnerável ao avanço do fanatismo
Denise Dweck
AP | Rizwan Tabassum/AFP |
Enterro dos mortos da Mesquita Vermelha. Na outra foto, o protesto de extremistas em Karachi: a pressão das mesquitas |
Qual país está mais próximo de ser governado por um regime de fanáticos islâmicos ou aliado ao terrorista Osama bin Laden? Há vários candidatos: o Líbano, por causa do Hezbollah, o Sudão, devido ao radicalismo de seu próprio governo, o Iraque, em decorrência do caos criado pela invasão americana, o Afeganistão, onde o Talibã está de volta, a Somália, pelo simples fato de ser a Somália. Nenhum deles é uma potência militar ou representa séria ameaça à vizinhança. A exceção é o Paquistão, país muçulmano moderado, com quase 170 milhões de habitantes e dono de seu próprio arsenal de armas nucleares. Para ilustrar o perigo que o jihadismo islâmico representa para o Paquistão, nada melhor que o confronto em Lal Masjid, ou Mesquita Vermelha, que terminou na quarta-feira passada com uma centena de mortos (ou com o dobro de vítimas, segundo outra versão). Por oito dias, o general Pervez Musharraf, presidente do Paquistão, tentou uma solução de compromisso com os militantes islâmicos entrincheirados com reféns em Islamabad. Por fim, na terça-feira, ordenou a invasão, realizada por tropas de elite. A resistência, como era de esperar, foi feroz.
A leitura do confronto é uma obra aberta. Musharraf quer ser visto pelo mundo como o representante do único governo em condições de impedir o surgimento de um novo regime tipo talibã numa região crucial da Ásia. A interpretação pode facilmente ser oposta, como fazem os muitos opositores a Musharraf. Nessa visão, episódio sangrento seria a confirmação de como a violência extremista ampliou sua capacidade de ação nos oito anos de governo Musharraf. Ou seja, ele não seria a solução, mas a causa do problema. O general tomou o poder num golpe militar em 1999 e, nos últimos tempos, anda às turras até com a parcela mais civilizada e moderada da população, incluindo os advogados. Muitos oposicionistas pedem a realização de eleições democráticas. A idéia é simpática, não fosse o risco de as urnas entregarem o poder a um regime de extremistas muçulmanos.
Os fundamentalistas islâmicos já tentaram assassinar Musharraf várias vezes. Os dois clérigos irmãos que mandavam na Mesquita Vermelha, um complexo que incluía madraçais (escolas corânicas) separadas para homens e mulheres, têm milhares de seguidores e pretendiam instalar um regime talibã. O governo foi obrigado a agir depois que eles passaram a seqüestrar prostitutas e espancar pessoas nas ruas. O avanço extremista no Paquistão é exemplar da encrenca em que se encontra o presidente George W. Bush. Ao contrário do que aconteceu no Iraque e no Afeganistão, onde recorreram à força bruta, no Paquistão os Estados Unidos usaram a tradicional estratégia de confiar a uma ditadura militar a tarefa de manter a casa em ordem. Como essa também não está dando certo, é natural que Bush esteja tão confuso. Em troca de apoio político e de uma ajuda de 3 bilhões de dólares, Musharraf ajudou os americanos a derrotar os talibãs no Afeganistão e se comprometeu a controlar seus próprios extremistas. Para o general, a aliança foi uma forma de reconquistar a importância estratégica que o país teve durante a década de 80, quando foi usado de base pelos Estados Unidos na guerra contra a ocupação soviética no Afeganistão. Os dólares e o apoio não surtiram o efeito esperado pelo governo americano. Na região de fronteira com o Afeganistão, onde as forças do governo não ousam entrar, chefes tribais dão abrigo e proteção ao terrorista Osama bin Laden e outras figuras mais notáveis da Al Qaeda. Também cedem bases aos guerrilheiros do Talibã, que lutam contra as forças da Otan no Afeganistão. O apelo à guerra santa continua a ser pregado abertamente em cerca de 1 500 escolas islâmicas no Paquistão.
Anjum Naveed/AP |
Presidente Musharraf: ele precisa provar que pode conter os jihadistas |
O resultado de tudo isso é que persiste a falta de uma estratégia confiável para vencer a guerra ideológica entre a civilização e o fundamentalismo islâmico. "A única solução é fazer os muçulmanos perceber que os terroristas matam principalmente muçulmanos", disse a VEJA a americana Sharon Chadha, autora do livro Jihad e Segurança Internacional. Na invasão da mesquita na semana passada, foi morto Abdul Rashid Ghazi, o irmão mais novo do mulá Abdul Aziz, preso dias antes quando tentava fugir do complexo escondido sob uma burca, o manto que cobre as mulheres da cabeça aos pés e que se tornou símbolo da perversidade talibã. No enterro do irmão, Aziz disse a uma multidão que o "martírio" dos defensores da mesquita levará o Paquistão a uma "revolução islâmica". É de dar calafrios.