...mas insiste em ficar no cargo, paralisando
o Senado e expondo a instituição ao descrédito
Otávio Cabral
André Dusek/AE | Lula Marques/Folha Imagem |
O deputado Olavo (à esq.) e o senador Renan, irmãos enrolados com venda suspeita de fabriqueta de refrigerantes à cervejaria Schincariol |
Desde os tempos em que os senadores eram escolhidos pelo imperador e precisavam ter renda superior a 800.000 réis por ano, o Senado nunca viveu uma crise como a provocada pelo Renangate. Criada há mais de 180 anos, a Casa já passou por maus bocados, desde seu fechamento pela ditadura militar, em 1968, até o assassinato a bala de um senador por outro dentro do plenário, mas nunca ficou paralisada pela mera presença de seu presidente na cadeira de presidente. Nem mesmo no escândalo que resultou na renúncia do ex-senador Jader Barbalho. Na semana passada, com a divulgação da mais recente novidade, segundo a qual o senador Renan Calheiros prestou favores à Schincariol depois que a cervejaria comprou uma fabriqueta de sua família por um preço astronômico, a situação chegou ao seu ponto mais crítico até agora – e Calheiros passou a agonizar em público.
Na terça-feira, o senador, enquanto presidia a sessão, bateu boca com o tucano Arthur Virgílio e chegou a socar a mesa: "Se quiserem a minha cadeira, vão ter de sujar as mãos". No dia seguinte, Calheiros esquivou-se de comandar uma sessão conjunta do Congresso para fugir do protesto preparado pelos deputados. Eles iriam distribuir 100 cartões vermelhos aos colegas, que os levantariam na sessão pedindo o afastamento do senador. Na quinta-feira, senadores de cinco partidos deixaram o plenário em protesto contra manobras patrocinadas pelo presidente Calheiros para proteger o réu Calheiros no processo em que é acusado de manter relações promíscuas com o lobista de uma empreiteira. "Essa crise gera um embaraço inédito para a instituição por atingir um presidente que é processado no exercício do cargo e usa o cargo a seu favor", diz o cientista político e historiador Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB).
A situação de Renan Calheiros é patética. Não pode presidir uma sessão do Senado, e nega que haja crise no Senado. Não tem saído de sua residência oficial, localizada no Lago Sul, em Brasília, porque sua aparição em público pode provocar constrangimentos. Também não vai a Alagoas, seu estado natal, com receio de atrair manifestações de repúdio. No Senado, sua situação é de crescente isolamento – físico até. Antes, seu gabinete era o mais movimentado da Casa, com parlamentares entrando e saindo constantemente. Agora, só é freqüentado por seus mais fiéis defensores. Nem o PMDB, seu partido, lhe tem estendido a mão. Na semana passada, Calheiros pediu ao presidente do partido, deputado Michel Temer, o lançamento de uma nota oficial em seu apoio. Disse-lhe Temer: "Não dá mais, Renan. Seu caso não é jurídico. O seu problema é a falta de condições políticas".
Desde o fim de maio, Renan Calheiros enfrenta uma crise pessoal que insiste em misturar com o Senado – e, agora, ela começa a transbordar para sua família. Seu irmão, o deputado Olavo Calheiros, que vendeu por 27 milhões de reais a fábrica de refrigerantes da família que não valia mais que 10 milhões de reais, está sob o risco de sofrer uma investigação na Câmara. O PSOL – sempre o PSOL – pedirá a abertura de um processo para apurar o negócio. Há a suspeita de que o valor espetacular obtido na venda da fábrica tenha sido pagamento por tráfico de influência dos irmãos Calheiros em favor da Schincariol. Será uma investigação importante também para entender como o deputado Olavo Calheiros enriqueceu tão depressa. Em 1998, seu patrimônio declarado era de apenas 95.000 reais. Quatro anos depois, já chegava a 2,8 milhões. No ano passado, batia em 4 milhões de reais.
O deputado Calheiros, embora numa situação muito mais confortável que a do irmão, pelo menos por enquanto, também anda sumido. Sua única aparição na semana passada aconteceu no ato de desagravo a Renan Calheiros. O ato deveria ser um jantar na churrascaria mais badalada de Brasília, mas o receio – mais uma vez – de que a presença de Renan Calheiros atraísse protestos levou os organizadores a escolher um discreto restaurante às margens do Lago Paranoá. No jantar, o senador anunciou que aproveitaria o recesso parlamentar para visitar seu reduto eleitoral, mas foi desaconselhado. Seria difícil encarar os passageiros do avião e os protestos que estavam sendo organizados em Maceió. Renan Calheiros desistiu. Ao jantar em sua homenagem compareceram 57 prefeitos de Alagoas. A previsão era que aparecessem oitenta. Como se vê, já tem até prefeito do interior que não quer ser fotografado ao lado do senador Renan Calheiros. Sinais do fim.