O primeiro balanço do estado em que os estudantes e funcionários deixaram as dependências da Reitoria da Universidade de São Paulo (USP), após tê-las ocupado durante 51 dias, não depõe em favor da seriedade do movimento que eles desejaram “vender” para a opinião pública como marcado pelo idealismo, tendo como objetivo nobre e exclusivo a defesa da autonomia universitária.
Agora se sabe que, além de terem depredado salas, banheiros e móveis, os invasores roubaram 4 notebooks, 13 monitores, pen drives, DVD player, projetores multimídia, impressoras, scanners e microfones. Além disso, numa espécie de bravata ideológica, os invasores trocaram o sistema Windows dos computadores do setor administrativo, que é pago, pelo Linux, um software livre, o que resultou no apagamento dos arquivos eletrônicos. Dos 46 computadores violados, apenas 13 podem ser recuperados.
Também deram sumiço a documentos históricos e pastas com informações sigilosas sobre alunos e funcionários. O inventário revela ainda que sumiram convênios firmados com agências de fomento à pesquisa, notas fiscais, relatórios de prestação de contas, diplomas de graduação e pós-graduação em branco e documentos pessoais de candidatos a bolsas de estudo e de pós-graduados que vinham reivindicando o reconhecimento de títulos de mestre e doutor obtidos no exterior, como determina a legislação. Ou seja, os estragos materiais causados ao patrimônio público são vultosos, para não falar dos prejuízos morais e intelectuais acarretados não só para a Universidade, mas também para terceiros.
Diante desse balanço por ela própria apresentado, os argumentos que a reitora Suely Vilela invocou em suas primeiras manifestações públicas após a desocupação de sua sala, para justificar sua conduta ao longo desse episódio, não são nada convincentes. Em entrevista às Rádios Eldorado e CBN, ela reconheceu que a invasão teve motivação política. Contudo, mesmo sabendo disso desde o início, ela aceitou assinar um compromisso de não punição com quem recorre à violência para impor suas reivindicações. E, agora, reconhece que não pode cumprir tudo o que prometeu, pois, como os crimes cometidos pelos invasores são de natureza pública, só a Justiça tem a prerrogativa de julgá-los.
Em artigo publicado no Estado, a reitora também afirmou que os invasores assumiram uma “posição de intolerância” e que “a Universidade não pode pactuar com atos de depredação do patrimônio público”. Por que, então, em vez de permitir que a Polícia Militar executasse a ordem de reintegração de posse determinada pela Justiça, com base em pedido formulado pelos procuradores da USP, a reitora invocou “princípios próprios do ambiente acadêmico e da democracia” para negociar com quem não respeita as mais elementares regras de convivência civilizada numa sociedade democrática?
Além disso, se a invasão foi conduzida por uma minoria estudantil sem representatividade, uma vez que dela participaram cerca de 300 dos 80 mil alunos da USP, por que a reitora aceitou a criação de uma “comissão pós-desocupação”, integrada por oito professores e oito representantes de estudantes e funcionários para fazer “acompanhamento dos compromissos assumidos”? Como parte das concessões que fez depende de deliberação de órgãos colegiados da USP, o que ela fará caso esses “compromissos” não sejam aprovados?
Por fim, ao refutar as críticas de que teria sido omissa e hesitante, a reitora tentou atribuir parte da responsabilidade pelo “impasse das negociações” ao governador José Serra, alegando que a demora em editar o decreto declaratório que reafirmava a autonomia das universidades estaduais foi “um dos fatores agravantes do problema”. O argumento é infeliz, pois o decreto foi publicado no mesmo dia em que os reitores da USP, Unicamp e Unesp enviaram um ofício ao Palácio dos Bandeirantes pedindo esclarecimentos sobre a posição do governo com relação à autonomia das três instituições.
A invasão da maior e mais importante universidade brasileira, como se vê, não resultou apenas em vultosos prejuízos materiais, intelectuais e morais para a comunidade acadêmica. Infelizmente, ela também mostrou que a erosão do princípio da autoridade na USP se acelera, o que torna inevitável a repetição de crises como esta não apenas na USP, mas em todas as universidades públicas do País.