O Globo |
5/7/2007 |
Os especialistas que participaram aqui, na Universidade de Harvard, do seminário para discutir uma política de enfrentamento da criminalidade na América Latina são unânimes em afirmar que qualquer projeto tem que começar pela reorganização da polícia e de seus métodos de atuação. E essa reformulação passa pelo uso intensivo de tecnologia de informação, pela aproximação com a comunidade e o combate à corrupção. O criminologista Christopher Stone, analisando a atuação de governos e seus sistemas de combate ao crime, incluindo o Judiciário e a polícia, adverte que, ao mesmo tempo que podem reduzir a criminalidade, podem também exacerbá-la, quando, ao combater o tráfico de drogas, provoca o caos no mercado criminoso, estimulando a disputa pelo controle do tráfico, ou até mesmo aumentando a incidência de outros crimes, fenômenos que acontece no Rio de Janeiro, por exemplo. Ele defende a tese de que é mais eficiente trabalhar nas comunidades para mudar as condições econômicas e o grau de aprovação aos crimes, criando um ambiente mais favorável para os que querem abandonar a bandidagem. Para ele, os governos que enfrentam alto índice de criminalidade devem atuar decisivamente nessa direção, apesar da incerteza de sucesso. Além disso, seria preciso uma ação de gestão no acompanhamento das ações, medindo a eficiência dos novos métodos. Também o diretor do Centro Alfred Taubman de políticas públicas, Edward Glaeser, sugere que o uso intensivo de tecnologia da informação pode fazer transformações substanciais, e ela deve ser usada para fixar metas e avaliar a atuação dos chefes de polícia, e também para dar incentivos, inclusive financeiros, pelas boas atuações. A implantação do centro de crime em tempo real em 2005 na Polícia de Nova York foi fundamental na manutenção do controle da redução da criminalidade, salientou Glaeser. Os dois estados americanos que servem de parâmetro para as políticas de redução da criminalidade, Nova York e Boston, focaram suas ações em pontos diferentes: Nova York trabalhou principalmente a reformulação da polícia, enquanto Boston aprofundou a parceria com as comunidades, combatendo o crime ao mesmo tempo em que construíam, cada qual à sua maneira, a confiança da população na ação policial. No seminário, foram apresentados dois projetos de uso da tecnologia da informação em cidades brasileiras. O cientista político Leandro Piquet Carneiro, professor visitante do Centro Taubman, mostrou como a cidade de Santos reduziu a criminalidade usando a tecnologia para focar as ações da polícia, o mesmo tendo sido feito em Belo Horizonte, ação apresentada pelo antropólogo Cláudio Beato. Por isso, os brasileiros são céticos quanto aos resultados de longo prazo da ação da polícia do Rio de Janeiro no Complexo do Alemão, embora seja um consenso que o estado tem que voltar a controlar aquela área e outras onde o tráfico de drogas atualmente predomina. A torcida é para que, mesmo tendo começado errado, a ação encontre seu eixo e permita ao Estado reconquistar o espaço institucional que lhe cabe nas favelas do Rio. O pronunciamento do presidente Lula, de que agora o estado vai competir com o crime organizado, foi considerado um desastre por todos os especialistas, pois, além da admissão oficial do presidente de que o estado não controla a situação no momento, ele se iguala ao crime organizado. O coronel José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública, é um dos que não acredita na eficácia da ação no Complexo do Alemão. Ele acha que a polícia do Rio não tem condições de manter uma ação permanente desse porte e prosseguir depois na ocupação do complexo de favelas. A inação da polícia do Rio, que revela o pacto de não-agressão extra-oficial com a criminalidade denunciado pelo secretário de segurança José Mariano Beltrame, vem se registrando ano após ano. O coronel lembra que a atividade da polícia do Rio de Janeiro vem caindo desde 2002 e, nos três primeiros meses deste ano, continuou caindo: a polícia do Rio prendeu 23% menos, apreendeu 9% menos drogas e 8% menos armas. Segundo ele, a polícia do Rio prende pouco, mas mata muito: de 2002 a 2006, segundo seus dados, a polícia matou 250% a mais. No primeiro trimestre aumentou em mais de 40% o número de mortos, em relação a igual período de 2006. Desde 2003 que as mortes causadas por policiais em serviço superam os 1.000 casos; em São Paulo foram 300 em 2005 (28 policiais mortos) e 533 (com 38 policiais mortos) em 2006, em decorrência dos ataques de uma facção criminosa. Segundo estudos internacionais, salienta o coronel José Vicente, seria tolerável a morte de até 10 civis para cada policial morto em confronto; no Rio a relação foi de 36,6 no ano de 2006 (29 policiais mortos e 1.063 mortos por policiais). Já o economista Edward Glaeser mostrou que, por matar duas vezes mais do que toda a força policial dos Estrados Unidos, a polícia do Rio de Janeiro também corre mais risco. Em 2004, foram mortos 111 policiais no Rio, de uma força de 50 mil homens, comparados com 54 mortes em todos os Estados Unidos, num total de cerca de 800 mil policiais. Também o antropólogo Cláudio Beato, da Universidade Federal de Minas Gerais, acha que a ação da polícia do Rio no Complexo do Alemão corre o risco de não produzir resultados permanentes. Ele concorda com a análise do prefeito Cesar Maia de que a ação teve início como uma reação ao assassinato de policiais, e por isso representa mais um improviso do que uma ação planejada. Ele acha que, enquanto a polícia do Rio não for modificada, não conseguirá recuperar sua credibilidade junto à comunidade favelada. |
Entrevista:O Estado inteligente
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