Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 01, 2007

Mailson da Nóbrega

Mudou a política econômica?


Quando o ministro da Fazenda assumiu o cargo, em março de 2006, certos círculos festejaram. Falou-se que a política econômica iria mudar, o que estaria agora sendo confirmado com a volta da heterodoxia e o menor rigor do BC nas decisões sobre juros. A meu ver, as bases da política não se alteraram. Mudou sua qualidade, para pior.

Não há como falar em heterodoxia no tripé da política: metas de inflação, câmbio flutuante e superávits primários robustos. O problema está na forma como se fixou a meta de inflação para 2009. Ao mesmo tempo, usam-se as tarifas para atender a pressões da indústria.

O anúncio da decisão e os passos anteriores criaram confusão e arranharam a credibilidade do regime, cuja função essencial é coordenar expectativas e permitir o cumprimento da meta com o mínimo de custos sociais e econômicos.

Diante da uma inflação anual corrente em torno de 3,5% e expectativas para 2008 a 2011 em torno de 4%, a maioria esmagadora dos analistas econômicos previa uma redução da meta. Além de ancorar as expectativas nesse nível, a nova meta mostraria comprometimento inequívoco com uma inflação baixa e contribuiria para quedas adicionais da taxa Selic mais à frente.

Pelo senso comum, uma meta mais alta resultaria numa Selic menor, mas a realidade é diferente. De fato, se os 4,5% fossem críveis, os mercados futuros começariam a projetar uma Selic maior, pois em algum momento o BC poderia ter de trazer de volta a inflação para níveis mais civilizados.

A decisão da meta foi naturalmente de Lula. No regime de metas de inflação, cabe a um governo eleito fixá-la e ao BC persegui-la com autonomia operacional. O episódio mostrou que o CMN, mera instância formal, não tem poderes para tanto, pois a meta não depende de seus votos.

Em entrevista ao jornal Valor, Lula declarou, equivocadamente, que a redução da meta requeria novos sacrifícios. Pode ter sido induzido ao erro pelo próprio ministro da Fazenda, que manifestara sua opinião publicamente antes da reunião do CMN. Ou por algum conselheiro ad hoc que espose as mesmas visões de Mantega.

A intuição (que resulta em decisões sem base no conhecimento) pode ter sido a grande inspiradora de Lula. Ocorre que a intuição pode estar certa, como no abandono das idéias do PT e na manutenção da política econômica, como pode estar errada, como na definição da meta.

Na hora de formalizar a meta, pode-se ter percebido que os 4,5% trariam perdas, sendo recomendável fixá-la nos 4% defendidos pelo ministro do Planejamento. Poderia ter havido um meio termo, 4,25%, mas isso implicaria derrota para a Fazenda e desmentiria o presidente. A solução foi a pior possível. A meta é de 4,5%, mas o BC vai perseguir os 4%.

Não bastasse isso, a Fazenda justificou sua posição com estudo do FMI, mostrando que outros países demoraram mais na convergência para taxas de inflação mais baixas. Não deu para entender, pois já chegamos aos 3,5%. Se sacrifícios existem, eles ocorreram no passado. O futuro exigia consolidar os ganhos.

Depois da perplexidade, os mercados já se ancoram na credibilidade do BC, olhando a meta informal e não a oficial. Será bom se continuar assim, mas o episódio não foi neutro. Ficaram o arranhão e nova perda de qualidade da política econômica.

Fixar a meta em 4,5% não é heterodoxia, mas mostra a dificuldade de certas áreas do governo e de formadores de opinião para entender a lógica do regime de metas. Conselhos equivocados podem desorientar a biruta da intuição de Lula e provocar riscos de apagão de racionalidade. Aí a política econômica mudaria para valer.

A decisão de reduzir a taxa Selic em meio ponto porcentual não é heterodoxia. As condições haviam melhorado. Era essa a expectativa da maioria dos analistas. Tampouco é heterodoxia aumentar tarifas aduaneiras, pois são um instrumento clássico de política de comércio exterior.

O problema é utilizar as tarifas para compensar quem reclama da valorização cambial. Cria distorções, bagunça a tarifa externa comum do Mercosul (que fica cada vez mais irrelevante) e cria disfunções tarifárias, das quais já nos havíamos livrado. Traz prejuízos para os consumidores, pois bloqueia seu acesso a bens de menor valor.

A piora da qualidade da política econômica não é nenhuma tragédia, mas sinaliza riscos futuros e pode inibir a elevação do potencial de crescimento do PIB.

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