Na semana passada ouvi de um amigo uma frase amarga: “Minha indignação foi substituída pela desilusão.” Este é o perigo que corremos, se é que já não estamos imersos nele: a sensação de impotência diante de tanto descalabro. A principal força aglutinadora do País, único motivo de alívio diante de tanto despautério, é a relativa prosperidade da economia, graças aos fundamentos do passado que foram mantidos e aos bons ventos do mercado internacional. Uma nação, entretanto, não se resume ao mercado. É a falta de correspondência entre os valores em que acreditamos e o que acontece no dia a dia que produz o mal-estar que sentimos.
“A gente tem que aprender a gritar de novo”, disse recentemente a cientista Lygia Pereira em entrevista ao jornal O Globo. Mas aprender como, se os que devem gritar sussurram e os que estão angustiados não vêem em torno do que ou de quem se agrupar? Para que as vozes do meu desiludido amigo e da esperançosa cientista possam encontrar-se e se somar às de milhões de brasileiros é preciso que as lideranças esbocem caminhos alternativos. Numa sociedade fragmentada como a nossa, onde o noticiário de jornais e TV se resume a crime, violência, corrupção, impunidade, desemprego, poluição, apagão aéreo e demais apagões, morais ou materiais, por um lado, e à louvação dos êxitos do mercado, sobretudo o financeiro, e à lengalenga oficial, pelo outro, fica difícil descortinar um horizonte de esperança.
Não obstante, é possível reagir e ainda há tempo para retomar o rumo da construção de uma nação, e não apenas de uma economia. Seria melhor se quem foi eleito para apontar caminhos desistisse da postura de senhor único do destino dos povos e convocasse o País para um diálogo verdadeiro. Enquanto o presidente se omite de comandar a saída de todas as crises e prefere se refugiar em seus devaneios de grandeza, que pelo menos as lideranças culturais, econômicas, sindicais, religiosas, políticas, enfim, que a sociedade organizada comece a encontrar pontos de convergência. E cada um de nós deve perguntar: e eu não tenho nada que ver com isso ou posso tomar posição e atuar?
Difícil? Sim. Impossível? Não. Apenas alguns sinais para balizamento futuro. Tomemos uma questão que perturba o dia-a-dia de todos, principalmente o dos mais pobres: a insegurança em nossas cidades. Por que União, Estados, municípios e sociedade não declaram guerra ao narcotráfico, à violência e ao crime organizado, aprovando legislação que unifique os esforços e o comando dessas ações repressivas? Ao mesmo tempo é preciso disseminar experiências como as que tiveram êxito na Colômbia, onde prefeitos corajosos mostraram que a repressão sem ação social não resolve a questão.
Outro tema que desilude e produz indignação em quase todos os brasileiros é a falta de representatividade dos partidos e a corrupção na política. Por que não aprovarmos já, para as eleições de 2008, a distritalização do voto para vereadores nas cidades que têm eleições em dois turnos, indicando cada partido apenas um candidato por distrito? Enquanto isso, por que não mantermos a cláusula de barreira, a proibição das coligações nas eleições proporcionais e aprovarmos regras de fidelidade partidária, deixando para resolver em 2009 a questão mais espinhosa do sistema de voto para a eleição dos deputados? É melhor caminhar com segurança, depois da experiência com os vereadores, do que errar apressadamente. Quem sabe o repúdio à monstruosidade do “voto flexível”, metade em lista e metade por escolha do eleitor, metade financiado publicamente, metade pelas empresas, não abra o caminho para a implantação gradual do voto distrital.
A indignação com a corrupção advém de sua impunidade. O diagnóstico está feito: além da cultura da leniência, há a prática da postergação ancorada nas leis. Por que não simplificarmos logo o Código de Processo Penal e as leis de execução, tolhendo as manobras de adiamento?
Em outro terreno angustiante, começam a surgir observações de que as políticas compensatórias, iniciadas em meu governo e ampliadas no atual (as bolsas para famílias carentes), se estão transformando em panacéia e têm efeitos negativos, desencorajando a busca de oportunidades de emprego e o aperfeiçoamento pessoal. Há clamor geral para que a economia obtenha maiores taxas de crescimento com maior oferta de emprego, reduzindo a necessidade de políticas compensatórias. A elevada carga tributária vem sendo apontada como um dos empecilhos para que isso ocorra. Por que não reduzirmos já a alíquota da CPMF e restringirmos, em igual proporção, os gastos correntes do governo?
Há forte reação nos meios empresariais e entre as classes médias à alta carga tributária. Ao mesmo tempo crescem os esforços espontâneos na sociedade civil para melhorar a qualidade da educação. Por que não introduzirmos algum mecanismo tributário (dentre os já existentes e sem aumento de alíquotas) permitindo que o contribuinte determine em que programas de melhoria da gestão e da qualidade do ensino público será usado o seu imposto?
Mencionarei apenas mais um tema que afeta o futuro do País, a questão do meio ambiente. A mudança climática atinge a todos. Por que não propormos metas de redução da emissão de dióxido de carbono por nossa conta e risco, comprometendo-nos com uma política de “desmatamento zero”, num prazo razoável, mas breve, de tempo? Por que não criarmos uma Agência de Energias Renováveis, que cuide da expansão ordenada das plantações de cana-de-açúcar e demais vegetais que substituem combustíveis fósseis, evitando a monocultura, que esmaga a agricultura familiar?
É preciso renovar a crença na democracia. Ela deve ser capaz de promover uma sociedade mais segura e mais solidária com os mais necessitados e com as gerações futuras. Uma sociedade com fé em seu futuro e visão grandiosa. Há tempo para construir um Brasil melhor, se cada um de nós substituir a desilusão por ações que, além da indignação, corrijam os desmandos atuais e tracem os caminhos do amanhã.